"América" parece estar cheia de gente vazia O personagem Jatobá, interpretado por Marcos Frota na novela "América", não está em seus melhores dias. Ele quase foi morto a pancadas por dois bandidos (nenhum deles o touro) que, sem perceber sua cegueira, acharam que Jatobá os havia flagrado em "tenebrosas transações", como na música de Chico Buarque. Graças a um corajoso transeunte, Jatobá escapou por pouco de conhecer os finados Acácio e Sinval no grande rancho do céu, mas a surra o deixou muito abalado e machucado. Tanto que, em vez de correr para os braços da amada Vera (com quem queria se reconciliar), ele preferiu se recuperar antes, fisicamente e mentalmente, para não correr o risco de despertar piedade. "Melhor não misturar as coisas", pensou o sensato personagem. Jatobá foi se isolar em casa e passou uns bons três capítulos filosofando e se lamentando para seu guia, o labrador Quartz. Pela letargia do pobre animal ao final do monólogo, estava claro que seu dono havia inventado a "história para cão dormir" - pois Jatobá, o acaciano, às vezes é um bocado chato. Por outro lado, o episódio também mostrou que em pelo menos uma coisa ele se distingue positivamente de outros personagens de "América": é fiel a seus sentimentos e capaz de sofrer por eles.
Sempre que se rompe uma relação amorosa de novela, dessas em que o próprio ar que se respira parece vir do envolvimento, o público imagina que a parte rejeitada vá sofrer intensamente, chorar baldes e remoer a dor ao som de "Atrás da Porta" ou música similar. Mas em "América" o amor mais profundo mal resiste até a próxima cena do personagem. Troca-se de afeto como quem troca de chapéu. Ou até mais, pois na novela ninguém tira o chapéu.
Um bom exemplo é Mari. A bela irmã de Sol levou um inesperado fora do bandido (não o touro) Alex, por quem arrastava um bonde, mas em poucos dias começou a namorar o advogado Helinho. O orgulhoso Feitosa, que tem uma relação para lá de intensa com Islene, suspeitou de algo entre ela e Jatobá e já foi se engraçando com a falsa beata Creusa, de quem num instante ficou noivo. E Tião, emburrado com Sol, correu para os braços da sem graça Simone. Para não falar de casos pretéritos menos badalados, mas igualmente efêmeros: Nick-Simone, Simone-Dinho, Dinho-Detinha, Vera-Helinho. Parece que os personagens de "América" têm um medo patológico de solidão. Imaturos e inconseqüentes, eles acabam atirando para todos os lados e suas vidas amorosas se tornam descartáveis. A reconstrução pós-rompimento, que no mundo real envolve algum tempo e às vezes uma doída reciclagem de referências, na novela acontece ao frenético ritmo de dança de quadrilha, na sola da bota e na palma da mão.
No comando desse exército de gente vazia, a autora fica à vontade para combinar os pares como bem entender. Contudo, para o roteiro, o preço dessa liberdade é a eterna redundância: nenhum par é estranho, nenhuma separação improvável - logo, tanto faz o que vai acontecer lá na frente.
Parece que Jatobá já viveu sua época de agito e por isso ele e Vera têm uma história mal resolvida. Mas hoje em dia, rodado e amadurecido, ele aprendeu a esperar, focado em arrumar sua vida, e como ele mesmo diz, em ser fiel a sua escolha. Só mesmo nessa surrealista "América" o mais ajuizado dos personagens é o que dirige sem enxergar, e bate papo com cachorro. | | |