As barulhentas "meninas" de Jô Soares Leves e cordiais, as entrevistas do "Programa do Jô" raramente são tão controversas quanto o próprio anfitrião. Não raro com motivo, Jô costuma ser tachado de narcisista em demasia, mesmo para os padrões do meio artístico, por monopolizar conversas e exibir erudição com mais freqüência do que recomendam as regras da modéstia e da hospitalidade.
Também incomoda em Jô a tendência a ser muito camarada com convidados que lhe são caros. Certas entrevistas mal passam de reencontros de velhos amigos, e nesses momentos o telespectador, diante de tanta rasgação-de-seda, quase se dirige à TV para dizer "por favor, não se importem comigo, fiquem os dois aí à vontade que vou dar uma volta".
Por outro lado, é igualmente verdadeiro que o apresentador, quando contido no ego e solto na verve, é capaz de entrevistas imperdíveis; e seu programa também tem a virtude, digamos, editorial, de levar a público, em momentos graves da história brasileira, os chamados "grandes temas nacionais", como o impeachment de Collor, o episódio do Anões do Orçamento, as eleições presidenciais e, naturalmente, a atual crise política.
NO CALOR DOS FATOS
Tendo decidido abrir o debate, Jô também quis inovar, e começou pelo cenário. Trocou o layout tipo "sala de consultório" por uma bancada de debates, e organizou um evento semanal que toma o programa inteiro. O curioso é que, além dele, as convidadas são todas jornalistas do sexo feminino, a quem o apresentador chama "As Meninas do Jô". Sem membros fixos, o último encontro teve Maria Lydia (TV Gazeta), Lúcia Hippolito (CBN), Cristiana Lôbo (Globo News) e Zileide Silva (Rede Globo).
Mostrar um debate político em plena madrugada não parece a fórmula mais eficaz de prender gente cansada e sonolenta diante da TV, mas o de Jô Soares tem ao menos um ingrediente que, para interessados no assunto, justifica só escovar os dentes no intervalo -e molhar o rosto, para garantir a vigília até o final do programa.
O que torna o debate atraente é que as convidadas, experientes acompanhantes de política, não apenas trafegam com desenvoltura pela análise crítica, como têm o tempo e a autonomia necessários para ir mais fundo e mais longe do que comentaristas de telejornais. Não sem uma razoável dose de indisciplina, reprimida somente quando o alarido se torna ininteligível, elas radiografam os últimos acontecimentos em tom severo e mordaz.
De fato, não se vê, no horário nobre, alguém dizer que um senador mostrou-se indignado "apenas para a platéia" com a denúncia de uso de caixa 2, ou argumentar que o presidente "não tem sido demagogo, e sim populista", qualificar de "merreca" o dinheiro surrupiado ao Bacen de Fortaleza, comparado às "verbas não contabilizadas", ou proclamar "adoro velho!", ao lamentar a carência de políticos experientes do Congresso.
Sem freios até o final, o debate passou até pela sucessão no caso de impeachment. Para alegria de quem pretende entrar na política por cima, uma interpretação foi a de que o Congresso poderia eleger, como novo presidente, qualquer cidadão brasileiro -inclusive este colunista e o leitor, desde que nenhum dos dois seja presidiário, recruta ou tenha sido cassado.
Básico como o direito de ser votado, há o de ser informado, e a TV tem mesmo corrido atrás, xeretado e relatado. Porém, muito telespectador espera, mais do que informação, ser compelido à reflexão, e o animado debate do "Programa do Jô" faz isso bem. Podia, é claro, ser melhor -por exemplo, indo ao ar algumas horas mais cedo, pois não apenas os insones querem entender melhor esse rolo todo. | | |