UOL Entretenimento Televisão

24/05/2010 - 20h15

No final de "Lost", a chave para uma vida eterna

ANA MARIA BAHIANA
Especial para o UOL, de Los Angeles

Poster da sexta e última temporada de

Com 13.5 milhões de espectadores nos Estados Unidos, festas por todo o país e muitas lágrimas de fãs, “Lost”, a série que vem dando nó na imaginação dos espectadores desde 2004, chegou ao final ontem à noite. Sem entrar em maiores detalhes para não estragar as emoções dos fãs brasileiros, (que verão o final em nesta terça-feira, dia 25), adianto que algumas grandes questões a respeito da Ilha, seu passado e sua verdadeira natureza não são respondidas.

Em compensação, um grande impulso emocional conduz as duas horas e meia do final à conclusão de que, como Desmond (Henry Ian Cusck) diz num momento crucial do episódio, “nada disso importa". Os principais temas da sexta e última temporada –a responsabilidade individual, o sentido da existência humana, a tensão entre destino e livre arbítrio– têm lugar de honra neste episódio final. E o maior mistério proposto pelos derradeiros capítulos, dupla narrativa desta sexta temporada, que os criadores Carlton Cuse e Damon Lindelof chamam de “flash-sideways” ou “flashes laterais”, também é resolvido de modo amplamente satisfatório –talvez não intelectualmente, mas, com certeza, emocionalmente.

“Nossa intenção sempre foi honrar estes personagens e sua trajetória”, disse o roteirista/produtor Damon Lindelof no especial de duas horas que precedeu o episódio final. “E satisfazer os fãs, sem os quais ‘Lost’ não teria sido o que foi.”

De fato: “Lost” levou adiante, de modo inédito, o envolvimento dos espectadores que outras séries cult, como “Jornada nas Estrelas”, “Twin Peaks” e “Arquivos X” (para citar três que são suas antecessoras imediatas) já haviam provocado. Tirando amplo partido dos recursos interativos disponíveis na primeira década do século, “Lost” tornou-se exatamente aquilo que sua trama fictícia abordava: uma comunidade de indivíduos que transcendia língua, cultura, crenças espirituais e posturas políticas, unida por um interesse comum. Na narrativa fictícia, sobreviver numa estranha ilha não muito deserta após um ainda mais estranho acidente aéreo. No mundo “cá fora”, resolver os cada vez mais complicados enigmas e quebra-cabeças propostos pelo enredo.

Evoluindo em suas seis temporadas juntamente com redes sociais e plataformas móveis de comunicação, “Lost” crescia a cada episódio como tema de discussão e criação coletiva entre os fãs, cada qual avançando teorias, simpatias, antipatias, propostas. Não era uma série passiva. Cada episódio convidava à discussão e à pesquisa, jogando na trama doses constantes de teorias de física, abordagens filosóficas, peças de literatura, grandes temas morais.

Seu grande mérito foi, até o fim, não desperdiçar este formidável apelo apenas com as trivialidades da TV. Desde o início desafiando passo a passo os executivos da rede ABC, seus criadores –primeiro JJ Abrams, depois Carlton Cuse e Damon Lindelof- fugiram da proposta inicial (“uma mistura de ‘O Náufrago’ com ‘Survivor’”) e mantiveram a Ilha, seus habitantes e seus visitantes acidentais como estopins para conversas muito mais profundas. Outras séries podiam despertar debates sobre quem estava ficando com quem. Em “Lost”, debatia-se a teoria da relatividade, gnosticismo, visões da vida eterna no budismo e hinduísmo, mitologia grega e egípcia, a obra dos filósofos Rouseeau, Locke e Hume (nomes de três personagens da série). Era, de muitas formas, uma série sobre redenção –inclusive da própria TV, tantas vezes acusada de emburrecer suas plateias.

Até o último instante, os seis monumentais minutos finais que levam a série exatamente de volta ao começo, reforçando a ideia de que Jack Shepard (Matthew Fox) era de fato o protagonista de toda a jornada, “Lost” manteve sua integridade de princípio, a unidade entre diversão e reflexão, tão difícil de ser encontrada (e mantida) na TV aberta.

Ao mesmo tempo, “Lost” é uma astuta peça de entretenimento, que já gerou uma variedade de produtos adicionais e manteve abertas várias portas para muitos outros. Ao deixar completamente em aberto questões essenciais de sua mitologia –o que é a Ilha, onde ela está, como foi habitada, quais seus reais poderes e como eles ali apareceram- “Lost” pode perpetuar-se ainda por muitas décadas em todo tipo de entretenimento audiovisual, a começar pelo longa metragem que já foi antecipado várias vezes por seus criadores.

Como as duas saudações mais usadas para celebrar seu final –“aloha”, usada no Havaí, onde a série foi filmada, e “namastê”, empregada pelos personagens da “Iniciativa Dharma”- “Lost” é, na verdade, sobre a vida eterna. Mesmo.

Compartilhe:

    Hospedagem: UOL Host