UOL Entretenimento Televisão

06/06/2009 - 06h35

Nascido na web, personagem lusitano Bruno Aleixo vira cult e "vem" para o Brasil

ANTONIO FARINACI
Colaboração para o UOL
Que telenovelas brasileiras façam sucesso em Portugal, e que atores brasileiros sejam personalidade por lá, não é novidade. Mas que um programa português seja conhecido (e seguido) por aqui, ainda que por uma audiência relativamente modesta, e seu protagonista vire um personagem cult na Internet, é algo inédito. Foi justamente isso o que aconteceu a Bruno Aleixo, protagonista de uma série de animação humorística portuguesa criada há cerca de um ano. Nascido na web, ganhou uma série de TV, mas continua lançando sagas exclusivas para a internet. Agora, o bizarro personagem com cara de cachorro começa a viver aventuras que se passam no Brasil.

  • Reprodução

    Bruno Aleixo trancado no banheiro do avião em sua viagem rumo ao Brasil

Aleixo foi concebido pelos roteiristas João Moreira, 29, e Pedro Santo, 29, e pelo designer gráfico João Pombeiro, 30, em conversas pelo MSN. Os primeiros vídeos com o personagem, da série "Os Conselhos Que Vos Deixo", surgiram em meados de 2008 e foram distribuídos a amigos. Com pouco mais de um minuto cada, os vídeos eram introduzidos pela advertência: "Se estiveres a ver isto, é porque morri". Neles, Bruno Aleixo divulgava suas pílulas de sabedoria em aforismos como: "Os homens que usam brinco são todos drogados". Ou ainda, "recolha sempre as bolas de naftalina; se as crianças as apanham, comem-nas todas, pensando que são amêndoas". Não demorou para irem parar no YouTube. Ao sucesso na web, seguiu-se um convite do canal a cabo português Sic Radical para que o personagem estrelasse um programa só seu, semanal. Nascia assim o "Programa do Aleixo", uma série de sete episódios, exibida no final de 2008 pela emissora. O programa consagrou definitivamente o personagem em Portugal, com seu jeito agressivo de ser e o bordão "cá burro", que ele usa para ofender um assistente de palco submisso e todos os entrevistados.

Natural de Coimbra (região central de Portugal), Aleixo é um "ewok" (personagem do filme "Guerra nas Estrelas") de 51 anos que fez plástica para ficar com cara de cachorro. Apesar de o personagem não admitir ("só pintei o cabelo", ele garante) seu assistente, o Busto (um busto falante de Napoleão), insinua que ele teria mudado de fisionomia ou bem para fugir de um processo da Lucas Films ou para consertar um queixo duplo. Bruno é cercado por uma mitologia própria --cheia de incoerências, claro. Por um motivo não revelado (uma possível ameaça), ele forja a própria morte, deixa os tais conselhos póstumos em vídeo, foge para o Rio de Janeiro, faz uma plástica (com o Pitanguy?) e volta para Portugal, para apresentar um programa de variedades.

O programa, com cerca de meia hora, é dividido em diversos quadros que parodiam e detonam todos os clichês de talk-shows. Os quadros incluem "Mito Urbano-Rural", em que a dupla de apresentadores "desmitifica" crendices populares; "Revista de Imprensa", em que notícias de jornal são comentadas; jogos com "participação do público", e um quadro de entrevistas, em que o personagem animado contracena com convidados de carne e osso em conversas dominadas veementemente pelo apresentador. "Se tenho coisas mais interessantes para dizer do que o entrevistado, digo-as! Não tenho culpa que isso aconteça quase sempre", justifica-se Aleixo. O programa é sempre encerrado por Bruno e Busto ao piano, que interpretam um sucesso internacional: canções do naipe de "Scatman", "Chorando Se Foi" e "The Time of My Life". A primeira temporada do programa traz ainda outros personagens, como o dr. Ribeiro (um médico invisível), o porteiro Nelson, o primo do Busto (um busto de Beethoven) e o homem do Bussaco, entre outros.

A estranheza de Bruno Aleixo e seus amigos chega a desconcertar. Apenas olhos e bocas se movem, os planos são estáticos. As imagens dos personagens e cenários são fotográficas, mas estão a serviço de montagens e situações absurdas --um bicho com cabeça de cachorro que conversa com uma estátua falante, toca piano, joga videogame, faz entrevistas, foge de um ninja e dirige um carro. Os temas passam ao largo de qualquer apelação sexual e do comentário político, assuntos que predominam no humor brasileiro. O que faz rir é o raciocínio truncado e quase infantil do protagonista de personalidade colérica, ávido por demonstrar sua superioridade em tudo, sem, contudo, conseguir levar vantagem em nada. Aleixo é também um mestre do timing "errado". Os cortes de cena muitas vezes não acompanham o texto, e vice-versa, criando um desconforto, desses que só se aliviam com o riso. Ainda que nervoso.

Aleixo é possivelmente o maior fenômeno que já surgiu na internet portuguesa. Nascido na web, ele soube se aproveitar dessa plataforma para se promover. O personagem tem site oficial com todos os seus vídeos, perfis no Twitter, MySpace, Last.fm e Hi5, a rede de relacionamentos mais popular em Portugal. No Facebook, Aleixo tem dois perfis "entupidos", para dar conta da quantidade de amigos (cabem cerca de 5.000 em cada). No Orkut, há cinco comunidades brasileiras dedicadas ao personagem. A mais antiga delas ("Bruno Aleixo - Programa", de Brasília), tem mais de 700 integrantes, traz sempre link para seus episódios mais recentes e ensina a queimar os vídeos da web em DVD, "para assistir ao pé da cama", como recomenda um fã, num dos fóruns. Esses números podem parecer modestos para os padrões brasileiros. O humorístico global "Toma Lá, Dá Cá", por exemplo, tem mais de 200 comunidades do Orkut, a maior delas com quase 200 mil integrantes. Mas é representativo se for lavado em conta que não há notícia de nenhum outro programa de TV português que tenha ganhado quaisquer seguidores no Brasil. Além disso, Portugal tem parcos 4 milhões de internautas (segundo estudo da Microsoft, de 2009), e o Brasil, pelo menos dez vezes mais (41 milhões, segundo pesquisa Netratings, de 2008).

Desde o final do ano, com o encerramento da primeira temporada no Sic Radical, Bruno Aleixo voltou a ser um personagem exclusivamente da Internet. Moreira, Santo e Pombeiro, os autointitulados Guionistas e Argumentistas Não-Alinhados (GANA), continuaram a produzir programas com o personagem, mas, desta vez, apenas para difusão online, em seu site oficial (http://videos.sapo.pt/cena). "Aleixo na Escola" dá conta da infância de Bruno e sua vida escolar. Num dos episódios, descobre-se, por exemplo, que, quando crescer, ele queria ser "imigrante em Coimbra". A professora explica que é impossível ser imigrante no lugar em que se nasceu e vive. "Então quero ser proxeneta", ele retruca. Em "Aleixo no Hospital", o protagonista precisa ser submetido a uma cirurgia da vesícula, e protesta: "sou alguma ostra, pra produzir pedras nas tripas?". Até o assistente de palco ganhou uma série própria, "Busto no Emprego", que mostra seu cotidiano em uma firma de telemarketing. "Plágio Uruguaio" apresenta o que seria uma cópia do "Programa do Aleixo" feita por uma emissora do Uruguai (tudo fictício, obviamente), com diálogos calcados nas falas de Bruno e Busto, traduzidos para o espanhol. Essa última série conta com a colaboração do animador gaúcho Marcelo Barbosa, que trabalha desde Porto Alegre e conheceu o trio GANA pelo Orkut.

  • Reprodução

    A abertura da série imita as das novelas brasileiras

Há cerca de três semanas, Bruno ganhou uma nova série, "Aleixo no Brasil". Nela, o ewok com cara de cachorro vive aventuras no Rio de Janeiro. Já de começo, a série parodia as aberturas de telenovela brasileiras (especialmente as de Manoel Carlos). Ao som de uma trilha suave de bossa nova, um avião da TAP cruza os céus, entre nuvens douradas, e segue em direção ao Brasil. Como que a se materializar do nada, um letreiro "metálico" tridimensional, no melhor estilo Hans Donner, anuncia o título do programa. Todo o primeiro episódio, Bruno passa trancado no banheiro do avião, enquanto uma aeromoça tenta convencê-lo a sair: "Estou muito bem aqui", ele teima, "com um livro e uma cadeira de praia". Ela insiste que é preciso liberar o banheiro, e ele argumenta que ao lado de sua poltrona está sentado um homem que ronca muito: "Acha que não tentei mudar de lugar? Sentei noutro, mas fiquei ao lado de uma senhora com um bebê". A aeromoça quer saber que problema há nisso: "Se fico ao lado de um bebê, tem que sorrir pra ele de cinco em cinco segundos. Senão, sabe o que acontece? Sou ostracizado da sociedade! É isso o que acontece às pessoas que não sorriem pros bebês! São imediatamente ostracizadas!", revolta-se.

A série está no terceiro episódio. Bruno já desembarcou na Cidade Maravilhosa e está instalado na pensão do seu Jaca. Moreira, Santo e Pombeiro prometem que, toda segunda-feira, um novo episódio irá ao ar no site oficial dos GANA, até um total de sete. Depois disso, é capaz que Bruno volte a ter um programa na TV. Há negociações em andamento, em Portugal, mas ainda não há data fechada para a estréia.
Comente essa e outras notícias no Fórum UOL Televisão

Compartilhe:

    Hospedagem: UOL Host