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15/06/2007 - 22h00

"Família Soprano" permitiu à TV representar a vida como ela é no século 21

CÁSSIO STARLING CARLOS
Especial para o UOL

Dilvulgação/HBO

O mafiosoTony sofre de síndrome do pânico e depressão e vai fazer terapia psiquiátrica

O mafiosoTony sofre de síndrome do pânico e depressão e vai fazer terapia psiquiátrica

Cássio Starling Carlos é crítico da "Folha de S. Paulo" e autor de "Em Tempo Real - Lost, 24 Horas, Sex and the City e o Impacto das Novas Séries de TV" (Ed. Alameda)
Quando o refrão da banda Journey ecoou as palavras "Don't Stop" e a imagem desapareceu na última cena da derradeira temporada da série "Família Soprano", exibida nos EUA no último domingo (9), muitos espectadores americanos desconfiaram que havia ocorrido algum defeito em seus receptores de TV a cabo.

Naquele momento, o uso da expressão "não pare" refletia mesmo o desejo de um público de milhões que acompanhou com avidez os oito anos e 86 episódios da mais sofisticada produção da TV das últimas décadas.

O final em aberto produziu frustrações, mas faz todo o sentido na trajetória dos personagens criados pelo roteirista, diretor e produtor David Chase e transmitidos pela HBO desde janeiro de 1999.

Como muitos outros seriados que vêm acumulando índices crescentes de audiência nos EUA e no resto do mundo, "Família Soprano" permitiu à TV assumir um lugar de destaque na representação da vida tal como ela é neste século 21. Desde que o cinema industrial hollywoodiano migrou seu interesse para o espetáculo movido a efeitos especiais, a partir do fim dos anos 70, a TV identificou que possuía todas as condições para ocupar o nicho da representação dos problemas mais prosaicos.

O DNA das séries de TV já trazia esta vocação desde suas origens, com as atribulações domésticas de um casal no pioneiro "I Love Lucy" (no ar a partir de 1951). Mas foi só dos anos 80 em diante que a TV passou a explorar não apenas o lado cômico e dramático das situações cotidianas, como teve a idéia de fazer seus personagens evoluir ao longo do tempo.

Para muitos, "Família Soprano" marcou o auge desta evolução. Centrada no personagem de Tony Soprano, um pai um tanto ausente em relação à mulher e aos filhos e, ao mesmo tempo, chefão de um clã da máfia instalado em Nova Jersey, a série de David Chase expôs as várias fissuras que põem a nu a desordem individual e familiar, a indefinição de horizontes pelos quais se guiar e a volatilidade dos laços pessoais.

Família disfuncional é o termo técnico utilizado para designar a face doméstica dessa crise ("A Sete Palmos", outro seriado importante da HBO explorou com sofisticação o problema). Mas o que tornou a saga dos Soprano tão mais ampla em ressonância diz respeito ao modo como suas histórias articularam a família pessoal e a família mafiosa, o mundo da casa e o do trabalho, as relações sanguíneas e aquelas de subordinação financeira e empresarial.

O foco que conectava os vários níveis desses relacionamentos e suas dificuldades era Tony, um personagem na meia-idade, acometido de síndrome do pânico e depressão e por isso levado a uma terapia psiquiátrica. Na figura do mafioso, homem brutal na execução de suas tarefas como chefão e fragilizado pelo peso das responsabilidades, foi o próprio indivíduo contemporâneo que se viu retratado. Órfão de afetos e obrigado a agir como super-homem no mundo do trabalho, Tony tornou-se um espelho no qual a própria América e boa parte do mundo, com seus valores vigentes de eficiência e o individualismo exacerbado, pôde se reconhecer.

Por isso, o "não pare" oferecido por David Chase ficará guardado como última ironia.

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