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26/08/2005 - 17h25

"Só faço o que quero, com quem eu quero e na hora em que quero", diz Ney Latorraca em entrevista

ELLEN SOARES
Especial para o UOL, do Rio de Janeiro
  • Ney Latorraca estará na novela <i>Bang Bang</i>, de Mario Prata

    Ney Latorraca estará na novela Bang Bang, de Mario Prata

O próximo personagem de Ney Latorraca na TV será Aquarius Lane, um cientista ingênuo que quer inventar a máquina do tempo. Ele é uma das principais atrações de "Bang Bang", novela da Globo que já está sendo gravada e deve estrear em outubro, no lugar de "A Lua me Disse", às 19h.

Para entrar no espírito do personagem, o ator está literalmente "fazendo laboratório". Ney Latorraca virou aluno de química da Universidade Católica do Rio de Janeiro. "Como vou ter um laboratório na novela, um professor de química me ensina todas as técnicas. Além disso, já experimentei todas as comidas de faroeste e fiz workshops. Estou pronto pra começar", garante o ator.

Além de ter uma sólida carreira no teatro, Ney viveu personagens inesquecíveis na televisão: Barbosa, do humorístico "TV Pirata", Seu Quequé, da minissérie "Rabo de Saia", e Cornélio, da novela "O Cravo e a Rosa".

O ator está em cartaz nos cinemas com o filme "O Diabo a Quatro". Ele também está em "Quem tem medo de Irma Vap?", o filme, sob direção de Carla Camurati e com Marco Nanini no elenco. Ney interpreta 12 personagens no longa, que tem estréia prevista para o fim deste ano.

UM CIENTISTA MUITO LOUCO

"Bang Bang" foi escrita há 20 anos por Mario Prata. Leia entrevista com o autor. No entanto, a produção só irá ao agora, e já tem no elenco os nomes de Giulia Gam, Mauro Mendonça, Fernanda Lima, Kadu Moliterno, Evandro Mesquita e Alinne Moraes. Algumas cenas serão gravadas no Chile, no Deserto do Atacama

A parceria entre Ney e Prata é antiga. Juntos, eles fizeram o sucesso "Estúpido Cupido", em 1976. A novela foi um marco na carreira do ator, que interpretou o personagem Mederix. Na seqüência, em 1977, os dois gravaram "Sem Lenço, Sem Documento" uma trama que, segundo o ator, "foi mal das pernas".

Numa entrevista exclusiva para UOL Televisão, Ney Latorraca falou da carreira e do desejo de adotar uma criança:

Divulgação
Em O Beijo do Vampiro, Ney viveu o personagem Nosferatu
UOL - Em "Bang Bang", inicialmente você seria o Zorro. Por que decidiu trocar de personagem?
Ney Latorraca - Achei que ele estava muito próximo de coisas que já fiz na televisão. Zorro era meio parecido com o Vlad, da novela "Vamp". E como conheço o autor, Mario Prata, e o diretor, Ricardo Waddington, achei melhor fazer o Aquarius Lane.

UOL - O que te atraiu em Aquarius?
Ney Latorraca - O universo do personagem. Ele é caricato, como a criança e o adolescente que existe em cada adulto. Aquarius é genro da Joana Fomm, pai da Alinne Moraes e casado com a Graziela Moreto. Ele vive mexendo em sua máquina e inventando inúmeras coisas, mas não sabe que nome dar a elas: espelho retrovisor, torradeira etc. É tipo o personagem de Christopher Lloyd em "De volta para o Futuro": lembra a figura de um cientista maluco, mas é muito ingênuo. É uma pessoa muito boa, uma verdadeira criança.

UOL - Como você faz para encontrar o tom do personagem?
Ney Latorraca - É o exercício de ator. Quando começo a gravar, sinto o que vou fazer com o material que tenho. Porque na verdade o que há ali sou eu mesmo, um ator, com meu físico, minhas vontades, minha memória emotiva e o que imagino para o meu personagem. Depois eu vejo como isso chega ao público.

UOL - Você gosta de sugerir figurinos, trejeitos e outros aspectos do personagem?
Ney Latorraca - Eu troco idéias sobre texto e roupas, mas só no início, depois embarco. Não fico censurando porque o trabalho tem de deslanchar.

UOL - O que você acha da linha faroeste de "Bang Bang"?
Ney Latorraca - Gosto muito. Acho que é uma homenagem que o Mario Prata vai fazer ao Cassiano Gabus Mendes, de "Que Rei Sou Eu". A história se passa no começo do século XIX e é possível falar tudo o que se quer, porque é em outra época e você pode fazer qualquer tipo de crítica. Essa coisa de época é boa pra isso.

UOL - Como é o seu relacionamento com o autor da novela (Mário Prata)?
Ney Latorraca - É uma relação ótima. Eu já o conhecia de São Paulo e em 1976 fizemos "Estúpido Cupido", que foi um grande sucesso.

UOL - O que você está fazendo atualmente fora da TV?
Ney Latorraca - Estou no cinema com o filme "O Diabo a Quatro", em que interpreto o marido da Marília Gabriela. Ainda no cinema, acabei de rodar "O Mistério de Irma Vap", com Marco Nanini, filmado e dirigido por Carla Camurati e que está em fase de finalização. Ele deve estrear no final deste ano ou no início de 2006. Eu escrevi o roteiro e interpreto 12 personagens - no teatro, fiz oito.

Divulgação
Ney Latorraca caracterizado como Barbosa, do TV Pirata
UMA CARREIRA BRILHANTE

UOL - Você acha legal fazer novela no horário das 19h?
Ney Latorraca - Claro. É um segmento que pega mais a dona-de-casa, quem está chegando do colégio, as pessoas de idade e as crianças. A novela das 19h é mais voltada pra essas pessoas, para as quais você pode interpretar sem ficar tão tenso.

UOL - Tem algum personagem que sonha interpretar?
Ney Latorraca - Não, porque acho que sou um eleito. Estou há 32 anos na Globo e fiz todas as minisséries do Walter Avancini: "Anarquistas Graças a Deus" (de Zélia Gattai), "Rabo de Saia" (de Condé), "Memórias de um Gigolô" e "Grande Sertão - Veredas". Participei da "TV Pirata", um programa importante para a comédia, do mesmo grupo que faz "Casseta e Planeta". Depois fiz o Vlad, na "Vamp", e o "Beijo do Vampiro", de Calmon. Também fui o Cornélio de "O Cravo e a Rosa", e fiz também "Da Cor do Pecado", que é uma novela de João Emanoel Carneiro, roteirista de "Central do Brasil".

UOL - Como faz a composição de seus personagens?
Ney Latorraca - Acho que no teatro esta é uma arte feita pelo ator. No cinema, os personagens vêm do diretor - é a arte do diretor. Na televisão eles vão chegando aos poucos, aparecem nos ensaios. O primeiro público de um ator de TV são os câmeras, técnicos, camareiros e maquiadores.

UOL - Algum personagem já te incomodou?
Ney Latorraca - Já, um do Mario Prata. Foi na novela "Sem lenço, Sem Documento", que foi um fracasso. Eu fazia um jornalista e estava muito mal. Sabe quando a coisa não dá certo? E olha que estava cercado por Christiane Torloni, Bruna Lombardi e Maitê Proença, pessoas que amo. Com estréia de direção do Dennis Carvalho, em 1977, a coisa simplesmente não aconteceu. Não sei se era porque eu tinha de segurar um bebê de mentira, aquilo começou a me dar um nervoso.

UOL - De qual você mais se orgulha de ter feito?
Ney Latorraca - O famoso musical "Hair", com Sônia Braga, em 1970.

UOL - Cinema, teatro ou TV? Qual o seu veículo favorito?
Ney Latorraca - O que me interessa são as pessoas que estão envolvidas no trabalho. Desde o cara da limpeza até a alta direção, me interessa o núcleo. A essa altura do campeonato só faço o que quero, com quem eu quero e na hora em que quero.

UOL - Você acha positivo ver tantos atores novos na TV?
Ney Latorraca - Acho que essa renovação é positiva. Caso contrário a TV acaba virando um museu. Além disso, eu também já fui jovem. É preciso apostar nestes novos atores, eles são bonitos e talentosos.

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Ney Latorraca na novela Da Cor do Pecado
DEMOCRACIA AO VIVO

UOL - Você prefere comédia ou drama?
Ney Latorraca - Comédia é a arte mais difícil. Para fazer uma pessoa chorar, você coloca uma música triste ao fundo e conta uma desgraça. Nesse momento ruim que vivemos no Brasil e no mundo, qualquer um se emociona. Difícil é colocar um riso ou uma gargalhada num rosto que está longe, em um outro momento depois da gravação. Acho que a arte de rir e a comédia são mais nobres que o drama e só os atores de teatro, com uma bagagem de peças de Shakespeare e grandes clássicos, podem partir para a comédia.

UOL - O que a profissão te deu de mais importante?
Ney Latorraca - Poder mudar a sociedade através do meu trabalho. O ator é um eleito da sociedade e tem várias vidas: posso fazer um jornalista, médico, engenheiro, político, bruxo, uma árvore ou um bebê. E o ator é visionário, porque a arte vem na frente pra mudar. E ao mesmo tempo me muda também, me rejuvenesce porque estou sempre na ativa.

UOL - Como é seu relacionamento com a imprensa?
Ney Latorraca - Ótimo. Acho que faz parte da profissão receber as pessoas, dar entrevistas, fazer fotos e ser gentil. Ou isso, ou você diz logo que não vai fazer nada. Também não tenho nada contra quem age assim.

UOL - Você tem algum projeto ou meta?
Ney Latorraca - Me aproximar cada vez mais do universo das crianças. Quando falo crianças me refiro a todo mundo, porque acho que em cada pessoa há uma criança.

UOL - Como manter a espontaneidade da criança e ao mesmo tempo seguir regras de conduta?
Ney Latorraca - Acho que tenho isso desde pequeno. Sou filho único de um casal pobre e no meio da pobreza aprendi a viver e a descobrir todos os códigos da vida. Tudo que veio pra mim foi lucro: o lápis de cor, o cenário, o aplauso, o figurino, a viagem de classe econômica e agora a de primeira classe.

UOL - Como é sua relação com crianças?
Ney Latorraca - Sou meio linha dura: não gosto de criança que bate na cara da avó, que se não ganhar um tênis enforca o pai ou tenta furar o olho da mãe. Gosto de criança educada e de criança levada, só não gosto de criança grosseira - acho feio. Aprendi com minha mãe uns códigos que ficaram comigo, uma questão de caráter. Trato criança como criança. Eu brinco de estátua quando preciso que elas fiquem quietas para eu poder decorar o texto.

UOL - Você não teve filhos. Pensa em adotar uma criança?
Ney Latorraca - Eu já pensei e tenho pensado nisso. Conversando com minha mãe Nena, que morreu em 1994, e com o Boni, eu pensei nessas coisas. Mas na verdade tenho vários filhos "de consideração" e até fiz um testamento.

UOL - Testamento? Para quem você deixou seus bens?
Ney Latorraca - Deixei uma parte para o Retiro dos Artistas (RJ), para a ABBR (Associação Beneficente de Reabilitação), para o GAPA de Santos (Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS) e para a Hanseníase, de Campo Grande. É uma coisa da qual nunca falei muito, mas acho que a função do artista é essa, tem uma hora em que a gente não pertence mais a si mesmo. Meu ego já está muito alimentado e eu tenho uma missão a cumprir, não estou aqui a passeio. É o meu lado Jane Fonda.

UOL - O que você acha das imitações que fazem de você, de seu jeito de falar?
Ney Latorraca - Andei grilado com essa coisa da minha voz, porque houve uma época em que todo mundo me imitava. Mas uma vez o Chico Buarque me disse "Pode reparar uma coisa, eles imitam Caetano, Pelé, Roberto Carlos, Romário e os Presidentes da República". Acaba sendo uma grande homenagem.

UOL - Qual foi sua maior vitória?
Ney Latorraca - Ter deixado de fumar há dois anos e quatro meses, depois de ter fumado por mais de 40 anos. Eu vi que estava me prejudicando e resolvi dar este presente para mim e para meu público, porque o ator tem que estar bem para seus fãs. Agora estou com a pele boa, com fôlego, estou um gato.

UOL - O que faz para manter a forma?
Ney Latorraca -Faço oito quilômetros por dia, em uma hora e cinco minutos. Também faço acupuntura e meu próximo passo será musculação. Mas tem de ser numa academia ao ar livre. Aquela esteira e todo mundo ouvindo música é triste.

UOL - Para terminar, o que você acha da atual crise política brasileira?
Ney Latorraca - Estou torcendo para que não acabe em pizza, nem em impeachment. Estou muito triste, uma das poucas vezes em que me senti pra baixo e deprimido. Essa corrupção toda já ficou cansativa, mas pelo menos a gente está vendo tudo pela televisão. Essa coisa da "democracia ao vivo" é muito saudável.

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