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22/08/2011 - 07h00

"É a personagem mais difícil que eu já encarei na vida", diz Lília Cabral sobre a Griselda de "Fina Estampa"

FÁBIA OLIVEIRA*
Do UOL, no Rio

Lília Cabral vai aparecer na TV muito diferente do que o público está acostumado a ver. A portuguesa Griselda, protagonista de "Fina Estampa", novela de Aguinaldo Silva que estreia nesta segunda-feira (22) na TV Globo, se veste com um macacão cinza -muito usado por mecânicos- e pouquíssima maquiagem. "Me arrumar para a cena é mais fácil. Mas para compor, é a personagem mais difícil que eu já encarei na vida", conta a atriz, que leva apenas 30 minutos para se arrumar. "Não tem nada na minha cara. Só um bucinho que a gente faz. E como ela está sempre com seu uniforme de trabalho, fica fácil", explica.

Griselda é chamada de "Marido de Aluguel". Aliás, é assim que ela é identificada em seu cartão. Sempre de boné e sua maleta de ferramentas nas mãos, a personagem teve que aprender a fazer um pouco de tudo para sustentar seus três filhos desde que seu marido, Pereirão (José Mayer), desapareceu no mar. "Griselda passou a ser o homem da casa e foi obrigada a se virar. É com esse trabalho que ela conseguiu alimentar, educar e vestir os meninos", justifica. Saiba mais sobre a batalhadora portuguesa na entrevista a seguir:

UOL - Esse figurino da Griselda foi a mais inusitado que você já usou na TV?
Lília Cabral -
Com certeza. Já usei muita coisa básica na TV, sem muito ou nenhum glamour. Mas esse é especial. É de um personagem que além de não ter glamour, também não tem nenhuma poesia. E que faz um trabalho para sobreviver com a  roupa mais prática. Até Tereza Cristina [personagem da Christiane Torloni] pergunta por que ela se veste assim e ela diz que é prático. Cada um se veste de acordo com suas necessidades. A dela é essa. Ela troca desde pneu até o circuito elétrico de um restaurante. Para ela, tudo é serviço. Se ela saísse de calça colada, não estaria fazendo o trabalho dela, estaria pensando em outras coisas. Ela não tem essa vaidade.

UOL - Griselda é um personagem difícil de fazer?
Lília Cabral - 
Me arrumar para a cena é mais fácil. Chego aqui no Projac e fico pronta em menos de meia. Até porque não tem nada na minha cara. Só um bucinho que a gente faz. Não faço cabelo, a roupa é sempre um macacão. Só gravei uma cena com roupa normal, mas é calça e camisa. Me arrumar é muito prático por isso. Mas para compor, é a personagem mais difícil que eu já encarei na vida.

UOL - Por quê?
Lília Cabral -
O público tem que acreditar que essa mulher existe. E ela, para existir, tem que contar uma história. Essa história tem que ser crível. O público tem que se identificar com a trajetória dessa mulher que sofre, que batalha, e tem essa composição. As pessoas têm que esquecer que é a Lília Cabral. Você tem que entrar num universo muito delicado. Não é porque ela é assim, até meio masculinizada, que ela é um homem ou homossexual. Mas a vida dela a fez ficar dura e Griselda não se vê como mulher. A vida a fez enxergar os homens como colegas e não como parceiros. Mas ela não perdeu a sexualidade, só deixou de lado. Essa dureza da personagem, essa força que ela tem é que tem que ficar clara logo na primeira cena dela para continuar essa trajetória.

UOL - Na sua opinião, existem muitas mulheres como ela?
Lília Cabral -
Acho que há milhares. Mulheres que, para sobreviver, se esquecem delas e só enxergam o que se faz nos outros. É uma generosidade enorme e sem cobrança. Não tem aquele lado de "ah, porque eu fiz isso, você tem que fazer aquilo".

UOL - Você já conheceu alguém como a Griselda?
Lília Cabral -
  Conheci sim, em Vitória, no Espírito Santo. Eu já estava gravando a novela e sempre dá aquele medo de "ah, meu Deus, será que existem mulheres assim?". E eu encontrei uma que trabalhava dentro de um hotel. Ela era contratada para fazer justamente esses serviços de aluguel. Quando quebrasse um encanamento, alguma coisa. E ela entrou no hotel com uma maletinha, uma botinha, como a minha personagem. Só que ela era casada, ajudava em casa com o dinheiro que ganhava. Tirei uma foto com ela e deixei guardada comigo. Não vou divulgar essa imagem. Aliás, o próprio Aguinaldo se baseou numa história verdadeira. Ele conheceu uma senhora em Santa Teresa. Uma portuguesa, inclusive, só que tinha sotaque. Aqui eu não tenho porque Griselda veio muito pequena para o Brasil. A única coisa que eu faço questão de fazer e falar são os "s". A minha mãe veio pequena para cá e não tinha sotaque nenhum. Mas os "esses" ela falava bem. E eu também falo porque sou paulista, apesar de morar no Rio há 26 anos.

UOL - Ser protagonista de uma novela das nove te deixa mais apreensiva?
Lília Cabral -
Isso não muda minha forma de pensar. Independente de ser a protagonista ou não, sempre encarei meu trabalho com muita responsabilidade, respeito pelo autor, pelo diretor e por mim mesma. E acho que toda história é uma história. Acho que todos os autores quando me chamaram para suas histórias sempre pensaram em mim de uma forma assim, "ah, a Lília precisa estar aqui por alguma razão". E eu sempre quis mostrar que valia. É muito chato quando a gente vai contra. Eu nunca pensei na vida que um dia eu seria a protagonista de uma novela. Mesmo em "Divã", onde eu sou a protagonista, porque aquele seriado só funciona naquele conjunto. Tudo que está em volta daquela mulher é muito importante. Eu posso ser o pivô, a protagonista, mas o que é mais importante, sempre, é a história. Tenho muita vontade de acertar. Estou trabalhando muito e sei que tenho uma grande responsabilidade nas mãos. Mas, em nenhum momento, penso que sou a protagonista da novela. Estou rodeada de atores da melhor categoria. Todos, sem exceção, são profissionais demais. E eles estão me ajudando. Sou muito agradecida ao Aguinaldo por ter pensado em mim, mas também posso dizer que ele é um cara bárbaro como autor. Porque essa é uma novela de personagem. As pessoas vão assistir e vão se interessar em saber o que vai acontecer com os personagens.

UOL - Desde quando você e Aguinaldo Silva não trabalhavam juntos?
Lília Cabral - 
Não trabalhava com o Aguinaldo Silva desde "Pedra sobre Pedra". Sempre pensei que gostaria muito de voltar a fazer, mas não aconteceu. Nos encontramos em festas, mas nunca fomos de nos ligar, jantar juntos. Agora, temos mais contato em função do trabalho. Mas ele sempre soube da minha admiração por ele e eu, em contrapartida, sempre soube da admiração dele por mim. Agora, isso se juntou.

UOL- Um dos filhos de Griselda, o Antenor [Caio Castro] tem vergonha dela apesar de toda a luta da mãe para criá-lo. Há uma cena em que ele humilha a mãe, quando ela vai até a faculdade para entregar um caderno que o filho esqueceu em casa. E ele não quer que sua namorada e os colegas do curso de Medicina vejam Griselda de macacão.
Lília Cabral -
É doloroso para ela. A gente não trata nada com vilania, de que ele é um filho da mãe. Ele está numa faculdade e, de repente, a mãe chega para devolver um caderno com a roupa de trabalho e o boné. Se eu me coloco no lugar dele, eu também ia falar "pô, a senhora tinha que vir assim, com essa roupa?". Acho que da maneira como é feito, fica estabelecido um confronto. Agora, quando ele convida uma atriz vagabunda para se passar pela mãe para poder noivar com a mulher rica que ele quer, aí a gente vê o caráter. Até então, ela fica muito chateada porque ele tratou mal. Ele não precisava empurrar, ela se sentiu péssima. Tem um confronto de mãe e filho que acho que todo mundo vai entender o lado dela e também o lado dele. Mas quando tem um embate de uma festa e que ela vai perceber que ele estava apresentando uma mãe que não é ela, aí o mundo cai. Mas aí a sequência é tão grande!

UOL - Como você vê essa situação familiar?
Lília Cabral - É muito diferente das relações familiares que experimentei nas minhas duas últimas novelas, mas também é muito diferente na situação do personagem. Essa mãe é carinhosa, afetiva, mas mostra de outra forma. Não é de ficar pegando, os filhos é que abraçam. Com relação ao Antenor, posso dizer que foi em quem ela apostou todas as fichas, já que ele queria fazer Medicina. Quando começa a novela, ela nem sonha o que está se passando e o que vem depois. A gente já gravou a cena em que ela pergunta se o filho tem vergonha dela. A sequência vai levando a uma temperatura que, na segunda semana, fica evidente quem é o filho, quem é essa família.

UOL - E como foi reunir toda essa família no primeiro dia de gravação? Porque além dos três filhos, ela ainda ajuda a cuidar do neto, que mora com eles.
Lília Cabral - 
Quando a gente fez nossa primeira entrada no estúdio, na primeira cena, a sensação era de que já estávamos fazendo aquela família há muito tempo. A primeira cena de uma novela geralmente é de apresentação de personagem e ali é já uma confusão. A mãe encrencando com o filho porque viu um anel que não gostou muito, a menina brigando com os irmãos porque é sempre ela que põe o café da manhã, o outro que demora para levantar e tem que levar o Quinzinho [Gabriel Pelícia] na escola. Então a cena é essa. A gente não costuma ver isso, sempre vem paisagem, um lugar lindo, às vezes fora do país, e a primeira sequência da novela é essa confusão familiar. Acho que isso foi importante para a gente já amolecer. Quando acabou, deu uma sensação de que a gente já estava naquele cenário há muito tempo.

UOL - Mas depois tudo muda porque Griselda ganha na loteria, não é?
Lília Cabral - 
Ela ganha sim. Acho que isso acontece logo depois que a Carolina Dieckmann, que faz a mãe do Quinzinho, entra na trama. 

UOL - Você conta com a ajuda de algum profissional nas cenas em que Griselda precisa efetivamente colocar a mão na massa?
Lília Cabral -
Eu tenho uma pessoa que entende de mecânica, de eletricista do lado para ajudar. Eu nunca tinha trocado pneu antes. E enquanto eu não tiver uma atitude convincente, ninguém grava. Enquanto a mão não estiver rodando direito, não se grava. Depois que faz, eu sei os trâmites e lógico, é tudo editado. Ela pode saber trocar o pneu da forma dela. O importante é a atitude, o jeito despachado dela para fazer.

UOL - O que Griselda faz que você também faz?
Lília Cabral - 
Olha, eu sei trocar pneu. Sei que quando coloca as porcas, tem que colocar cruzado. A melhor parte é colocar o macaco. Mas eu chamaria o seguro. Até porque se eu parar na rua e o pneu furar, alguém vai aparecer para me ajudar [risos].

UOL - E como é na sua casa? Você conserta alguma coisa?
Lília Cabral -
Na verdade, na minha casa, eu sou quase um síndico. Só não faço. Outro dia teve um vazamento na minha casa e foram uns dez homens fazer orçamento. Mas eu parei e pensei: "acho que isso é ralo entupido". Não deu outra. Chamei um desentupidor e nunca mais teve vazamento. Na minha casa sou um pouco assim. Meu marido trabalha todo dia e eu, apesar de trabalhar muito também, não sei, trabalho na intuição.

UOL - Você sente falta de fazer as unhas e arrumar o cabelo?
Lília Cabral -
Não, agora não estou sentindo falta porque estou muito debruçada nesse projeto. É até um sossego. E não sei quando vou começar a gravar como a Griselda rica. Vamos ver como vai acontecer essa transição.

*Colaborou Thays Almendra

 

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