De olho em fundo de R$ 2 bi, mercado se mexe para atender Lei da TV Paga
Carlos Minuano
Do UOL, em São Paulo
Sony, Warner, Fox, Cartoon Network, Discovery Channel... Desde a chegada da TV por assinatura no Brasil, canais e produções estrangeiras dominam boa parte da grade de programação oferecida ao público brasileiro. Quem andou zapeando pelos canais pagos ultimamente, no entanto, já começou a notar algumas mudanças. É que, desde setembro deste ano, por força de lei, todos os canais fechados de entretenimento devem exibir, obrigatoriamente, três horas e meia por semana de produções nacionais em horário nobre.
Aprovada em agosto de 2011, a Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) - também conhecida como Lei 12.485/11 ou simplesmente Lei da TV Paga - criou novas regras para o setor, que se abriu para a entrada das empresas de telefonia. Além de ampliar progressivamente o espaço nas grades - em 2011 era uma hora e meia de programação nacional; em 2012 passou para duas horas e meia e, em 2013, chegou finalmente ao mínimo de três horas e meia -, a nova lei define que metade desses conteúdos deve ser produzida por empresa brasileira e ainda destina recursos arrecadados junto às teles para um fundo de financiamento a produções nacionais.
Os primeiros resultados já começam a aparecer nas telas. Um dos mais "internacionais" do leque de canais por assinatura, o Warner Channel, que exibe mensalmente cerca de 120 filmes -- desses, apenas quatro são brasileiros --, acrescentou recentemente dois títulos novos à sua grade semanal: "Vida de Estagiário", adaptação das tirinhas de Alan Sieber, e "Documentários Cultura Pop", que já retrataram os universos do cinema, artes e moda brasileira.
Segundo sua assessoria de imprensa, o Megapix promoveu um aumento de 30% no número de produções nacionais em sua programação para atender à Lei da TV Paga.
Até mesmo a rede Telecine, que desde 2006 também dedica-se a coproduções de filmes brasileiros, diz estar atenta às novas regras. "Entre dois filmes que fizeram a mesma bilheteria, um nacional e um estrangeiro, o nacional dá mais audiência na rede", informou o canal por meio de sua assessoria. "Há filmes suficiente para cumprir a cota, só estamos tomando um cuidado com o número de horas por semana como determina a lei e a concentração no horário nobre".
Impacto na produção audiovisual
Se, para os assinantes, as mudanças têm sido apresentadas a conta-gotas, no setor de produção audiovisual o impacto da Lei 12.485/11 já é bem visível. Antes da lei, a O2 Filmes produziu em duas décadas cinco séries e suas temporadas. Depois da lei, em um ano, 13 séries estão saindo do forno. "É uma diferença brutal", afirma Andrea Barata Ribeiro, sócia da produtora ao lado do diretor e cineasta Fernando Meirelles.
Para atender à demanda, Ribeiro conta que foi necessário aumentar a equipe. "Contratamos uma produtora executiva que cuida só da área de TV e, além dela e sua pequena equipe, um jovem roteirista que nos ajuda a trabalhar as ideias quando ainda estão na incubadora."
A dona da O2 dá uma canja do que vem por aí. Um dos destaques do cardápio de novidades, segundo ela, é o "Destino: Rio de Janeiro", que estreia em breve na HBO. "É uma segunda temporada de 'Destino: São Paulo', exibida entre 2012 e 2013, só com atores não profissionais", conta.
Ribeiro observa que algumas novidades já estrearam, entre elas "Contos de Edgar" e "A Verdade de Cada Um" para a FOX e NatGeo, além de "Beleza S/A" para a GNT. "Estamos em desenvolvimento e em preparação de várias outras", acrescenta.
A produção segue a todo vapor também em outras produtoras. "Antes, produzíamos em média duas séries por ano, agora estamos com quatro séries anuais e com perspectiva de fecharmos mais duas", conta Paula Barreto, diretora da LC Barreto. Tal como na O2, ela diz que foi necessário aumentar o time pra dar conta do recado. "Contratamos duas pessoas para cuidar só do núcleo de TV."
Além dos vários projetos em fase de negociação, Barreto conta que está produzindo uma série de dez capítulos, de 60 minutos cada um, sobre os cem anos da seleção brasileira de futebol com estreia prevista para março de 2014. Outras produções que estão aceleradas são a terceira temporada da série "Oncotô", para a TV Brasil e a segunda de "Mais Vezes Favela" para o Multishow.
A produtora também confirmou três longas que devem ser rodados em 2014. A cinebiografia "João", do maestro João Carlos Martins, com Marcelo Serrado, e duas comédias, "Super Poderes", da diretora estreante Anne Pinheiro Guimarães, com Alessandra Negrini, Debora Block e Wagner Moura; e "Cinco Contra Um", de Bruno Barreto, inspirado em livro homônimo do casseta Beto Silva, no elenco, Leandro Hassum e Daniele Winitz.
Para o diretor José Eduardo Belmonte ("Billi Pig") a lei é importante por criar um mercado até então dominado pela indústria estrangeira. "Agora sim vamos começar a ter conteúdo de fato", aposta. Ele conta que está dirigindo um seriado que vem ao mundo graças à nova lei, mas não revela detalhes.
Fundo chega a R$ 2 bi, mas segue bloqueado
A nova Lei de TV Paga também estima injetar cerca de R$ 800 milhões por ano na produção brasileira de audiovisual segundo a Ancine. É quase seis vezes o valor com o qual o mercado vinha trabalhando antes da lei, via incentivos fiscais, que variava em torno de R$170 milhões. Desde que a lei foi aprovada, o chamado Fundo Setorial do Audiovisual já acumula quase R$ 2 bi.
Destinado a investimentos em produção e distribuição de obras para cinema e TV, o montante bilionário corresponde à arrecadação da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional) paga pelas teles desde 2012, um ano após a aprovação da Lei 12.485. O imposto também é pago por produtoras, exibidoras, distribuidoras e programadoras.
A demora na regulamentação da lei pela Ancine, prevista para o início deste ano, tem impossibilitado a utilização dos recursos. "Esse valor está acumulando", avalia o produtor Marcus Ligocki, coordenador do seminário Estratégias para o Desenvolvimento das Pequenas Empresas do Audiovisual Brasileiro, que ocorreu dentro da programação do último Festival de Brasília, no último mês. "Há um receio de que entupa o cano", diz.
"Falta regulamentar a lei e informar ao mercado quais serão os tipos de produção que poderão se beneficiar dos recursos para que os projetos possam ser inscritos", explica Ligocki., que admite que não se trata de uma tarefa simples. "É um trabalho de extrema complexidade: como distribuir esse dinheiro de forma responsável?".
A Ancine rebate as críticas "Os gargalos estão sendo enfrentados em permanente diálogo com produtores, distribuidores e agentes financeiros do Fundo".
Para a agência reguladora, as dificuldades mais urgentes vão além da produção e incluem carências de formação profissional. Para enfrentar a demanda, informou que o Governo Federal prepara para breve o lançamento do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria Audiovisual (Prodav) com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, visando à "capacitação de profissionais e agentes do mercado, com apoio a cursos de formação, intercâmbio e pesquisa". "Precisamos de mão de obra técnica, artística e capaz de desenvolver negócios. Precisamos produzir mais conteúdos e obras", reforça o diretor da Ancine, Manoel Rangel.
Embora o dinheiro ainda não esteja disponível, a criação de novos canais, como o Arte 1, Prime Brasil e Curta são sinais evidentes das mudanças em curso. O grupo Bandeirantes, por exemplo, divulgou recentemente a intenção de lançar ainda este ano mais dois canais.
"Televisão é um mercado bilionário", reforça Christian de Castro, consultor de empresas da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital). "A criação de cotas nesse segmento gera uma enorme demanda". Ele aposta no formato de séries criadas aqui com potencial de exportação, para circulação internacional. "Podem se tornar um formato em mercados maduros", completa.
Estudo divulgado em setembro pela Ancine aponta que o segmento de TV por assinaturas vive seu momento de maior expansão no Brasil. Em 2012, foram 16 milhões de assinaturas e a previsão é de que esse número chegue a 30 milhões até 2016. O mesmo levantamento, no entanto, mostra que o preço do serviço ainda restringe o mercado e coloca o país em 12° lugar no ranking mundial, atrás de países como Argentina e Venezuela.