"Barracos" entre jurados e participantes alimentam a "Dança dos famosos" argentina

Maria Martha Bruno

Do UOL, em Buenos Aires

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    A ex-jurada Graciela Alfano, que discutiu com coreógrafo Aníbal Pachano (d.) durante o show de TV argentino

    A ex-jurada Graciela Alfano, que discutiu com coreógrafo Aníbal Pachano (d.) durante o show de TV argentino

Ao se pensar em figuras emblemáticas da Argentina, pode-se dizer que duas, em geral, vêm à cabeça dos brasileiros: Maradona e Evita. Além deles, não menos icônicos são o ex-presidente Juan Domingos Perón, o craque do Barcelona Lionel Messi e Mafalda, a garota precoce e observadora dos quadrinhos de Quino. Mas, nesta galeria de hermanos ilustres, talvez a maioria dos brasileiros não conheça um dos principais nomes do entretenimento do país, que este ano movimenta com seu programa de televisão e sua produtora nada menos do que US$ 1,3 bilhão em publicidade. Aos 52 anos, Marcelo Tinelli conduz há mais de duas décadas um programa próprio, que começou como mesa redonda esportiva, virou humorístico de esquetes e "videocassetadas" e há sete anos se converteu em “Showmatch”, cujo quadro principal é “Bailando por un Sueño”. A versão argentina da “Dança dos Famosos” vai ao ar quatro vezes por semana em horário nobre em um dos canais mais importantes do país, o Trece.

O bate-boca entre Carmen e Ayelén

As semelhanças com o concurso do “Domingão do Faustão” se restringem ao júri composto por celebridades e aos casais de atores, cantores e egressos de reality shows que dançam diferentes ritmos, sujeitos à eliminação até a escolha de uma dupla vencedora. Só que os passos e a desenvoltura dos participantes muitas vezes são jogados para escanteio não só pelos jurados, como pelo público. A dança é coadjuvante em um verdadeiro circo que antes dos números inclui “lavação de roupa-suja”, bate-bocas e baixarias entre membros do júri e participantes. Por causa das chamadas “prévias”, em algumas edições sequer há tempo para a dança, que acaba ficando para o dia seguinte.

Nas provocações, há espaço para a execração pública de uma jovem participante que se envolveu com o ex-marido de uma das juradas, a atriz Carmen Barbieri, 36 anos mais velha. Ou para a discussão entre outra jurada e o advogado de um empresário que a acusa de ter roubado jóias no Paraguai. Ao voltar para Buenos Aires, após ser detida no país vizinho, a vedete Moria Casan inclusive usou parte do programa para se defender das acusações e, para colocar mais lenha na fogueira, a produção se encarregou de ligar para o advogado para colocá-lo ao vivo no ar com a jurada.

Tamanhos são o peso de “Showmatch” e de Tinelli na indústria do entretenimento argentina, que, segundo o apresentador, Madonna deve dar o ar de sua graça no programa em dezembro, durante a passagem de sua turnê pelo país. Na última terça-feira (18), ele inclusive insinuou que a apresentação pode ser realizada em 3D. Entre outros nomes internacionais que já passaram pelo cenário de “Showmatch”, estão o ex-pugilista Mike Tyson e a atriz Pamela Anderson.

Dança é coadjuvante na Argentina; veja os barracos
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Filhos de Caniggia viraram fenômeno midiático

“O programa não tem que ser intelectualizado. ‘Showmatch’ é um jogo, um reality, um concurso, um humorístico e um embate de personalidades. É sobre esta base que atrai tanta atenção não apenas na Argentina, como em outros países da América Latina”, definiu o coreógrafo Aníbal Pachano, jurado há três anos, em conversa com o UOL. Assim como seus colegas, ele já se envolveu em várias discussões em “Showmatch”. Em 2010, em decorrência de uma delas, com a ex-jurada Graciela Alfano, resolveu admitir publicamente ser portador do vírus HIV. A declaração veio após xingamentos da atriz sobre a sexualidade do coreógrafo que foram ao ar no próprio programa, transmitido também no Uruguai, Paraguai, Equador e Bolívia. “Foi um desconcerto e um ‘cruzado de direita’ que recebi no ar, vindo de uma pessoa sem noção. Mas continuo com minha vida e minha carreira e quem está em casa sabe quem tem razão”, comentou Pachano sobre o episódio.

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O programa não tem que ser intelectualizado

Aníbal Pachano, jurado do "Bailando por un Sueño"

Além dos bate-bocas, em que o apresentador se limita a dar voz a cada um dos lados, as prévias também incluem situações diretamente criadas por Tinelli. Sua perspicácia e talento para captar situações e personagens que poderiam ser absolutamente banais e transformá-los em atrações que prendem a atenção dos telespectadores elevam os índices e sustentam a liderança de audiência de “Showmatch”. Foi assim que recentemente os gêmeos filhos do ex-jogador de futebol Caniggia (autor do gol que eliminou o Brasil na Copa de 1990) viraram um fenômeno de popularidade. Nas entrevistas antes da dança, Alexander Caniggia costuma demorar a responder perguntas triviais de Tinelli, como “O que você faz nos fins de semana?”, e o faz em monossílabos, com uma expressão abobada. Mesmo assim, o garoto de 19 anos chegou a ser elevado ao grau de “hipnótico” e “misterioso” pelos jurados. “Ele tem essa coisa meio robô, que não fala, não dança direito, mas é hipnotizante”, definiu Moria Casan.

Com um ar de “patricinha” ingênua, a irmã Charlotte demonstra estranheza com a cultura argentina (ambos vivem em Marbella, balneário espanhol popular entre ricos e famosos) e, embora seja queridinha do programa e dos telespectadores, por vezes serviu de alvo do sarcasmo do apresentador. Em um destes episódios, ao vivo, ele a levou para experimentar uma pizza com cerveja no restaurante em frente aos estúdios do programa e mostrou a ela como tomar um ônibus na capital argentina. Além de criar personagens, Tinelli também consegue audiência estendendo quadros que poderiam ser triviais em um programa do gênero, como a exibição no palco de filhotes de cachorros fofinhos, durante a propaganda de uma marca de ração patrocinadora, ou uma corrida de homens – jurados, produtores e ele próprio – usando saltos altos.

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    Tinelli, 52, conduz há mais de duas décadas um programa próprio na TV argentina (2012)

Produtora de Tinelli movimenta US$ 1,3 bilhão em publicidade

“Ele é o homem mais inteligente da televisão argentina. O rei da nossa TV”, opinou Carmen Barbieri, que venceu a primeira edição do programa, em 2006, e há três temporadas é membro permanente do júri. Uma das atrizes mais famosas do país, ela teve o casamento de 25 anos desfeito após o envolvimento de seu marido com uma das participantes do concurso, Ayelén Paleo. Com mais de 30 anos de estrada, a atriz confessa que o trabalho como jurada turbinou sua imagem: “Não houve muitas mudanças em minha carreira, mas minha popularidade é muito maior, por trabalhar em um programa de tanto sucesso econômico, popular e midiático”.

Além de apresentador, Marcelo Tinelli é dono da produtora Ideas Del Sur, responsável pelo programa e por outras quatro atrações que vão ao ar no canal Trece, pertencente ao grupo Clarín, o principal conglomerado de comunicação do país. De acordo com a Revista Fortuna (de outro grupo de comunicação, o Perfil), este ano os programas de Tinelli movimentam nada menos do que US$ 1,3 bilhão em publicidade. Os “barracos” de “Showmatch”, o conteúdo de outros produtos da Ideas Del Sur e a vida privada do apresentador alimentam a chamada “farándula” argentina (universo de celebridades). Debates de fofocas vespertinos e dois dos principais jornais do país, inclusive o La Nación, concorrente do Clarín, se ocupam desses assuntos. Recentemente, o novo romance do apresentador foi discutido nestes meios e estampou as capas de várias revistas de celebridades, que buscaram um tom polêmico para o tema, já que a nova namorada de Tinelli é ex-mulher de um dos ex-diretores da Ideas Del Sur.

O espectro da influência de Marcelo Tinelli é tão amplo e variado que o apresentador também ocupa o noticiário de esportes. No início do mês, ele se tornou o vice-presidente do San Lorenzo, um dos maiores clubes de futebol da Argentina. Mergulhado em uma crise que quase o levou ao rebaixamento em julho, o time já tinha no apresentador uma de suas principais figuras, que inclusive se encarregou de pagar salários atrasados aos funcionários do clube e bancou a chegada de reforços para a atual temporada. Durante o programa, Tinelli faz campanha para que espectadores se tornem sócios do San Lorenzo e, com a recente eleição, se tornou um sopro de esperança para as combalidas finanças do clube.  

Além de televisão e futebol, a opinião de Marcelo Tinelli sobre a política também importa. Na última semana, durante o “panelaço” que reuniu dezenas de milhares de pessoas nas principais cidades do país contra a presidente Cristina Kirchner, os meios também ecoaram as declarações que o apresentador fez ao vivo em “Showmatch” durante o protesto. Tentando não tomar partido de nenhum lado, ele pediu que manifestantes e a própria presidente acalmassem os ânimos e o clima de agressividade que ronda a atmosfera política argentina.

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