No ar em "Amor Eterno Amor", Suely Franco diz que largou o marido para deixar de ser Amélia
Carla Neves
Do UOL, no Rio
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Divulgação/TV Globo
Suely Franco e Olívia Torres em cena de "Amor Eterno Amor" (2012)
Aos 72 anos de idade e 52 de carreira, Suely Franco coleciona diversos papeis de avó na TV. Atualmente, ela é a dedicada Dona Zilda, avó de Miriam (Letícia Persiles), Gabi (Olívia Torres) e Clara (Klara Castanho) em “Amor Eterno Amor”. “Agora as pessoas me chamam de ‘a avó da Clara’”, contou Suely, aos risos, em entrevista exclusiva ao UOL.
Mãe de um filho de 44 anos, chamado Carlo, Suely – ironicamente – não é avó na vida real. E no que depender de Carlo não será nunca. “Meu filho se recusa a botar um ser humano na Terra”, afirmou ela, confessando que realiza o desejo de ser avó por meio de suas personagens. “Até hoje, os adolescentes – porque não são mais crianças – vêm falar comigo da Dona Benta [do Sítio do Picapau Amarelo]. É uma coisa muito gostosa. E na minha profissão eu lido muito com criança, então não me sinto culpada”.
Suely afirmou que se sentiu muito culpada quando teve Carlo. “Eu trabalhava muito para poder sustentar tudo e tinha que deixar o Carlo com a mamãe e com o papai. Já com o neto – porque acaba sempre sobrando para a avó – não vou ter sentimento de culpa”, argumentou.
Na entrevista a seguir, Suely conta como começou no meio artístico, lembra como era fazer TV ao vivo e confessa que decidiu se separar do marido depois de se preparar para a peça “Amanhã, Amélia, de Manhã”, de Aberbal Freire Filho. “Quando fiz a peça, participamos de laboratórios e escutava o que as pessoas diziam a respeito da Amélia. E era uma coisa horrorosa. Na época, pensei: ‘meu Deus, eu sou isso, eu sou essa Amélia!’. E aí o meu casamento acabou (risos)”, afirmou.
UOL – Como era fazer TV ao vivo?
Suely Franco – A gente chegava, ensaiava e fazia. Ia para o outro programa, ensaiava e fazia. Mas eram programas menores, de dez minutos. E havia os teatros noturnos, que eram da faixa nobre, para os quais ensaiávamos durante uma semana porque eram bem maiores.
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Suely Franco em cena de "Sete Pecados" (2007)
Como você entrou para o meio artístico?
Eu sempre brinquei de representar. Mesmo sem saber o que era. Minhas primas faziam teatro amador na igreja. E eu, vendo aquilo, acompanhei, entrei para o grupo. Comecei fazendo São João Batista na Paixão de Cristo. Porque é feito por um adolescente, já que ele usava cabelo comprido. E assim comecei. Na escola também tinha teatro.
Mas o rádio e a TV surgiram quando na sua vida?
Aos sete anos eu fiz rádio infantil na Rádio Roquete Pinto, com a Dona Diva Paula. Eu era tão baixa que tinha que subir na cadeira e ainda colocar almofada (risos).
E o que a sua família achava disso?
Minha família é toda italiana. Quem morava perto de mim fazia teatro na igreja. A outra prima era cantora lírica, minha tia era pianista. Domingo tinha aqueles programas italianos e a família inteira abria a goela. Minha mãe tinha uma voz muito parecida com a de uma grande cantora lírica alemã, que esqueci o nome agora. E mamãe nunca tinha estudado e acompanhava ela. Tinha uma voz maravilhosa. Então essa coisa de que eu querer ser artista foi uma realização para ela. Porque meu avô tirou minha mãe da escola, ela queria ser professora. Para meu avô ela não precisava ir para a escola, já que ia casar e ir para o fogão e para o tanque e não precisava de muito mais. Então essa coisa de estudar, de botar para a fora a arte, para ela era maravilhoso.
Ela acabou se realizando através de você, então...
Completamente. Ela ia comigo para tudo quando era lado. E meu pai era oficial da Marinha Mercante. Ele passava seis meses fora e uma semana em casa (risos). Então era a mamãe que tomava conta de tudo. E ele não se incomodava. Ele tinha o maior orgulho de mim. Ele tinha fotografias minhas. Ele fazia uma coisa que ninguém fazia naquele tempo que era tirar fotografia da televisão (risos)
Você já sentiu preconceito por ser atriz? Ainda mais por ter optado pela interpretação em uma época tão conservadora?
Nunca senti preconceito, mesmo naquela época. Ainda mais porque minha mãe estava junto comigo sempre. Me lembro que custei muito para comprar um celular, porque pensei: ‘aí é que mamãe não vai me desgrudar mesmo!’ (risos). Ela ficava me controlando. Se eu atrasasse cinco minutos para chegar em casa era um drama. Minha mãe era canceriana, então pensava logo em desgraça.
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Suely Franco em cena de "O Espigão" (1974)
São 52 anos de carreira. O que te faz dizer sim a um papel?
Me convidam e eu aceito. Eu quero é trabalhar (risos). Não dá para ser tão exigente!
Você está acostumada a viver avós na TV, mas não tem netos na vida real. Como assim?
Meu filho se recusa a botar um ser humano na Terra. Ele diz: ‘mãe, com esse desmatamento, com essa coisa da falta d´água. Vê se eu vou botar um filho no mundo para ficar sofrendo com isso? De jeito nenhum!’. Como ele é muito solto na vida e hoje não precisa casar, ele prefere ficar assim.
Você não fica triste em saber que não vai ter um neto ou satisfaz sua vontade de ser avó através de suas personagens?
Não fico. Até hoje, os adolescentes – porque não são mais crianças – vêm falar comigo da Dona Benta [do Sítio do Pica-Pau Amarelo]. É uma coisa muito gostosa. E na minha profissão eu lido muito com criança, então não me sinto culpada. Eu trabalhava muito para poder sustentar tudo e tinha que deixar o Carlo com a mamãe e com o papai. Já com o neto – porque acaba sempre sobrando para a avó – não vou ter sentimento de culpa
Você gosta dessa troca, de trabalhar com crianças e atores mais novos?
Adoro. Adoro trabalhar com medalhões, como também com gente nova. Eles me surpreendem demais, porque têm outra cabeça. Fiquei tão feliz quando o Eduardo Tolentino, do grupo Tapa, me convidou para trabalhar com o grupo. Que maravilha! É muito bom conhecer um jeito diferente de trabalhar.
O que mudou da TV da década de 60 para a de hoje?
Hoje não se faz mais televisão. Hoje se faz cinema o tempo todo. Antigamente a gente gravava cinquenta cenas em um dia. Hoje gravar vinte já é um sacrifício. Antigamente os cenários eram abertos. Hoje são todos fechados. E a luz é como a de cinema por causa do HD. A gente está fazendo cinema dentro da TV. Eu detestava fazer cinema, detesto. Estou detestando (risos). Porque eu adorava a agilidade de antes: outra, outra, outra cena. Agora não é mais assim.
Mas você detesta fazer cinema?
Por causa dessa coisa que demora. Aí você faz dez vezes: de perto, de longe, repete. Eu acho isso muito chato. Antigamente eram quatro câmeras que pegavam tudo. Então a gente vai para o Projac [complexo de estúdios da Globo] preparada para esperar.
O que você acha da televisão em HD?
Eu acho maravilhoso. Mas qualquer fio no chão se torna um crocodilo (risos). A imagem é completamente diferente das outras, fica mais viva. Quando a gente fazia TV ao vivo e surgiu o VT, a gente detestava. Porque naquele tempo não se cortava a fita. O cenário era feito de acordo com as cenas que vinham antes. Então se chegasse no fim e alguém errasse tinha que repetir tudo do início (risos).
Já aconteceu alguma situação engraçada?
Aconteciam coisas incríveis. Certa vez, o cenário caiu e a gente representou segurando o cenário para ele não desmontar. Naquele tempo a gente desmaiava muito. Então desmaiei e acabou o capítulo. Aí o assistente de estúdio cutucava a gente e dizia que podíamos sair. Teve uma vez que eu desmaiei e a perna da câmera bateu na minha perna. Eu pensei que fosse o assistente me avisando que tinha acabado e levantei. Mas ainda não podia levantar... (risos). Outra vez, eu estava fazendo uma vampira em um programa de terror. E era tudo controlado pelo ponto eletrônico. Eu tinha que morder a Henriqueta Brieba, que era a minha vítima. E esqueceram de me dar os dentinhos. Aí disseram, no ponto eletrônico: ‘agora olha para a câmera e mostra os dentinhos’. E eu tive que fazer sem os dentes (risos). Isso tudo acontecia ao vivo.
Como você definiria o seu trabalho de atriz?
Para mim, quando eu vou trabalhar, eu vou para o circo. Vou para o parque de diversão. Existe uma frase de Confúcio que diz: “quem faz o que gosta nunca trabalha”.
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Suely Franco na pele da Dona Benta do "Sítio do Picapau Amarelo" (2005)
Se você pudesse dar um conselho para quem está começando a carreira de ator, qual seria?
Estudar, estudar, estudar. Eu acho que na nossa profissão quanto melhor o ator souber o texto, mais possibilidades ele tem de saber o que fazer com ele. Se ele ficar procurando que texto vai dizer, sua interpretação vai para as cucuias. Então é paciência e persistência.
Você acha que a pessoa já nasce com o talento para atuar ou pode aprender ao logo da vida?
Tem que ter talento. Eu conheço atrizes, que prefiro não falar os nomes, que eram péssimas e de repente ficaram ótimas. Era uma coisa que já existia dentro delas. Vi isso tanto com homens quanto com mulheres. Tem uma menina que quando começou era uma coisa. Ela fazia figuração e ninguém conseguia tirar os olhos de cima dela. Virou uma grande estrela, mas hoje ninguém gosta do trabalho dela. Essas coisas eu não sei explicar o porquê. Na teoria, eu sou completamente instintiva. Eu não sei explicar nada.
O que mais te encanta na profissão de atriz?
A gente faz tanta gente diferente que vai descobrindo coisas dentro da gente também. Quando fiz a peça “Amanhã, Amélia, de Manhã”, do Aderbal Freire Filho, participamos de laboratórios e escutava o que as pessoas diziam a respeito da Amélia. E era uma coisa horrorosa. Na época, pensei: ‘meu Deus, eu sou isso, eu sou essa Amélia!’. E aí o meu casamento acabou (risos). Comecei a não querer ser Amélia e fazer tudo o que seu mestre mandar. A peça mudou completamente a minha vida e a minha cabeça porque eu fui criada para ser Amélia.
E aí você se separou?
Sim e ele não entendia. Achava que tinha outro no meu ouvido. Não entendia que foi uma transformação interior por causa de uma peça.
Além da novela, você está em cartaz com a peça “Seis Aulas de Dança em Seis Semanas”, dirigida por de Ernesto Piccolo? Como é o espetáculo?
Minha personagem chama um professor, que é o Tuca Andrada, para fazer aula de dança em casa. Os dois são completamente diferentes. Ela é toda fina e recatada. Já ele fala palavrão e diz as coisas que vêm na cabeça. Os dois têm muitos problemas. Conforme a peça vai para a frente, um ajuda o outro a resolver os problemas. E acaba aquela diferença de idade, de educação... No fim um ajuda o outro. É uma comédia que fala de coisas fortes, como injustiça, preconceito. Trata de assuntos que todo mundo conhece e passa. Mas é para cima, apesar de falar de questões fortes.
Como tem sido a repercussão do espetáculo?
Só escuto coisas boas. Teve um rapaz que arrastou a mãe, que estava em casa, sem querer nada com a vida para assistir. Ele fez questão de ir lá falar comigo no final e a mãe disse: ‘querida, eu saí de casa tão ruim. Agora eu estou me sentindo outra pessoa. Muito obrigada!’. Quando você faz uma peça e escuta isso é muito bom. Você precisa ver a reação das pessoas quando acaba a peça.
Entre TV, cinema e teatro, qual você prefere?
Eu gosto de representar.
Tem alguma parte ruim na sua profissão?
Tem uma coisa que eu não gosto: o chato da nossa profissão é ter que decorar texto e não poder esquecer. Eu nunca deveria ter sido atriz. Sabe por quê? Não gosto de me maquiar, não gosto de me pentear, não gosto de trocar de roupa (detesto). Quando eu era garota eu vivia o dia inteiro de uniforme. Então essa coisa da TV de faz uma cena, troca de roupa, faz outra cena, troca de roupa... Mas quando eu estou representando eu esqueço isso tudo.
O que falam sobre a novela?
Uma coisa que me deixou muito espantada – porque eu achei que eu estava fazendo a boazinha – foi que pessoas vêm reclamar comigo que eu sou muito grossa com o velho, que eu trato ele muito mal, que eu tinha que ser mais carinhosa com ele [Seu Francisco, Carlos Vereza]. Eu pensei que as pessoas iam estar do meu lado, mas não estão não (risos).