Avenida Brasil

"Depois do Nilo, nunca mais faço comercial", diz José de Abreu sobre catador de "Avenida Brasil"

Mauricio Stycer

UOL, em São Paulo

Aos 66 anos, completados neste dia 24 de maio, o ator José de Abreu está em estado de graça. A repercussão de seu trabalho como Nilo, o monstro do lixão de “Avenida Brasil”, conquistou público e crítica.

“Normalmente o último personagem é sempre o melhor”, ele diz, antes de rasgar seda para João Emanuel Carneiro, autor da trama. “É uma das melhores novelas de todos os tempos”, diz ao UOL, numa animada conversa por telefone.

Abreu conta que Nilo, agora morando em Copacabana, vai aparecer menos nos próximos capítulos, mas confia no retorno do personagem em grande estilo.

Sobre a sua situação como ator, ele diz que tem um salário razoável e que dá para viver bem. "Comprei meu primeiro apartamento há cinco anos. Pago meu carro em 30 vezes. Não faço comercial. Só faço vilão. É muito difícil um vilão fazer comercial. Agora então, depois do Nilo, acabou: nunca mais vou fazer comercial. Só de graça, para o governo.”

Leia abaixo a entrevista com o ator, na qual ele fala de “Avenida Brasil”, de sua militância política, do Twitter, da nova geração de atores e de seus planos para o futuro próximo:

Divulgação/TV Globo
A gente tinha muito medo de ele ser rejeitado. Veja você: um cara sujo daquele jeito, maltratando crianças, é uma coisa pesada demais. Não é uma coisa comum de se ver em novela das nove. As pessoas sentem o cheiro do Nilo em casa.

José de Abreu, sobre o personagem

UOL - Você está assistindo a “Avenida Brasil”?
José de Abreu - Eu leio todos os capítulos, coisa rara de acontecer. Tem uma certa qualidade, é bom de ler. Normalmente, só leio as minhas cenas e vejo a novela no ar. Nesta, estou lendo tudo. E assistindo.

UOL - O que você acha da novela?
José de Abreu - Acho muito boa. Uma das melhores novelas de todos os tempos. Não acompanhei muito “A Favorita”.

UOL - Quais são as qualidades de “Avenida Brasil”?
José de Abreu -
O texto é muito bom. É engraçado, é muito vivo. O João Emanuel tem um time muito bom de colaboradores... O Antonio Prata e a Luciana Peçanha são muito bons. O João Emanuel tem uma carpintaria diferente. Ele trabalha de maneira diferente.

UOL - Como você vê o olhar do autor sobre o subúrbio?
José de Abreu -
Acho muito engraçado. Ele declarou ter lido Dostoiévski para escrever sobre pobres. Ele tem muitos trunfos na mão. Obviamente que escrever sobre a Rússia na época do Dostoiévski era diferente, mas a essência do ser humano não muda muito. Não sou intelectual, não tenho maiores veleidades, mas acho que o João Emanuel foi uma grande aquisição para a telenovela brasileira. A qualidade do texto e do enredo dele é comparada à dos melhores novelistas. E ele ainda tem muito para crescer.

UOL - E o seu personagem?
José de Abreu -
Meu personagem é cíclico. No inicio, havia até dúvidas se ele poderia ser aceito. Aceito a ponto de não ser eliminado da trama por ser muito pesado. A gente tinha muito medo de ele ser rejeitado. Veja você: um cara sujo daquele jeito, maltratando crianças, é uma coisa pesada demais. Não é uma coisa comum de se ver em novela das nove. As pessoas sentem o cheiro do Nilo em casa.

UOL - Se houvesse rejeição, o papel poderia ter diminuído?
José de Abreu -
Não sei... A preocupação era essa: não vamos pesar mais a mão no que já está. Descobri no texto a ironia. No primeiro dia de filmagem, o José Luiz Villamarim, um dos diretores, disse. “Zé, não vamos pesar a mão”. Já tinha uma visual assustador. Eles usam um monte de coisa pra não deixar o lixo encostar na pele. A barba comprida, eu sou grandão.

UOL - Você ajudou na criação do personagem?
José de Abreu -
Logo no início, eu tive uma cena com a Vera Holtz, em que eu dizia que a Lucinda estava criando uma cobra dentro de casa. Acho que era o Batata. Eu falava: “Você deve estar com saudades de uma cobra”. Tinha um duplo sentido na frase. Eu logo imaginei que ela teve algo no passado com o Nilo. Aí eu soltei uma risada e apareceu aquele “hi-hi-hi”. Aquela risadinha não sei da onde que saiu... E ficou. Isso já dá uma outra coisa, mais para a comédia.

Jorge Rodrigues Jorge/Carta Z Notícias
Antigamente, o ator vinha do teatro ou do cinema. Hoje estão saindo direto das passarelas, das escolas de teatro ou do BBB. Os caminhos mudaram. Não estou falando contra ou a favor. Apenas constatando.

Idem, sobre a profissão

UOL - Qual é a repercussão que você está sentindo?
José de Abreu -
Está sendo genial. As criticas que tenho recebido... estou superfeliz. Um super-reconhecimento do trabalho

UOL - O que a sinopse dizia do personagem?
José de Abreu -
Pela primeira vez, eu não li a sinopse. O João Emanuel Carneiro e o Ricardo Waddington combinaram: “Não tem sinopse”. O pessoal me disse: “Você vai adorar o papel. Ele está no último degrau do inferno de Dante. É o tipo de papel que você gosta.”

UOL - O que mais você ouviu sobre o Nilo?
José de Abreu -
Eles falaram também em tentar dar uma leveza pro lixo. Como foi feito nos filmes “Quem Quer Ser um Milionário” e “Lixo Extraordinário”. Transformar o lixo numa coisa bonita. Eles conseguiram. O lixo na novela ficou uma coisa plasticamente linda.

UOL - Não é muita ilusão?
José de Abreu -
Não. Você não pode numa novela das nove, no horário do jantar, chegar com barra pesadíssima. Aí seria rejeição total. A gente tem que ser realista. Não adianta você querer fazer uma coisa que vai ser rejeitada e que você vai ter que cortar. Não é obrigação da novela denunciar a existência de lixão, até porque já tem uma lei que proíbe.

UOL - Além do Nilo, você interpreta um outro personagem interessante, nas redes sociais, que é o ativista político.
José de Abreu -
Mas isso não tem muita importância. Tenho 35 mil seguidores. Não é nada no universo de uma novela das nove da Globo. Se você imaginar que o Fiuk tem 1,5 milhão de seguidores... Só faço política lá.

UOL - Como seus colegas atores te enxergam como ativista político?
José de Abreu -
Meus colegas nem sabem. A cada novela um ou outro entra no Twitter para me seguir. Não se interessam. Ou leem o que escrevo e não falam nada.

UOL - A imagem que se tem do ator é de um tipo apolítico, às vezes até alienado de sua realidade.
José de Abreu -
No meu tempo, os atores não eram alienados. Os artistas eram muito engajados. Na época da ditadura, 1968, Teatro de Arena, Teatro Oficina, Tuca, Tusp... Os atores iam na frente em todas as passeatas. Até a eleição do Collor, em 1989. Acho que o governo Fernando Henrique meio que deu uma ducha de água fria na politização. Deixou tudo meio sem cor. Houve uma despolitização nos últimos anos.

UOL - Alguma exceção?
José de Abreu -
Sergio Marone começa a ter ideias políticas. Bruno Gagliasso me mandou um email outro dia, com ideias políticas, tentando entender a sociedade. O Bruno Gradim também. A forma de atuação está mudando. Você pode ter uma atuação em defesa do meio ambiente, dos gays, dos negros... Muita gente fala que artista tem medo. Não sei. A Globo não é pra dar medo em ninguém. A Globo nunca fez nenhuma censura ao que a gente faz.

UOL - O que mais você nota de diferente na nova geração?
José de Abreu -
Antigamente, o ator vinha do teatro ou do cinema. De um modo geral, era um ator mais consciente, mais lido. O teatro exige uma dose maior de leitura, de estudo, de conscientização do ser humano. Acho que 80% da minha cultura vem do que eu estudo para fazer meus personagens. A partir do momento em que começam a entrar na Globo atores que não vêm do teatro e do cinema. Hoje estão saindo direto das passarelas, das escolas de teatro ou do "BBB". Os caminhos mudaram. Não estou falando contra ou a favor. Apenas constatando.

UOL - Como você está vendo a gestão de Ana de Hollanda à frente do Ministério da Cultura?
José de Abreu -
Foi uma grande decepção que eu e muita gente teve. A liberdade com que Gilberto Gil e Juca Ferreira tratavam de assuntos como internet, direitos autorais, patrocínio. O Brasil estava em primeiro lugar em modernidade. De repente, cai uma pessoa completamente fora da realidade. Parece que mora no século 19. Claro que levo um susto. Houve um retrocesso. Enganaram a Dilma, obviamente. Para nós, libertários, foi um baque.

TV Globo/Divulgação
Eu leio todos os capítulos, coisa rara de acontecer. Tem uma certa qualidade, é bom de ler. Normalmente, só leio as minhas cenas e vejo a novela no ar. Nesta, estou lendo tudo. E assistindo. Acho muito boa. Uma das melhores novelas de todos os tempos

Idem, sobre a qualidade da novela

UOL - Você está se afastando do governo?
José de Abreu - Nunca fui atuante na militância partidária. Voltei a fazer política, voltei a defender o governo Lula na época do mensalão, porque não acredito que tenha acontecido da maneira como dizem. Sou amigo do José Dirceu, do José Mentor. Fui a Brasília defender o Dirceu. Voltei a atuar politicamente e a imprensa caiu em cima de mim e me jogou uma responsabilidade que eu não queria ter. O que falaram de mim foi uma coisa absurda.

UOL - Falaram o quê?
José de Abreu - Vivo do que eu ganho na Globo, de um ou outro filme. Tenho um salário razoável, dá para viver bem. Comprei meu primeiro apartamento há cinco anos. Nunca tive casa própria. Pago meu carro em 30 vezes. Sou normal. Não faço comercial. Só faço vilão. É muito difícil um vilão fazer comercial. Agora então, depois do Nilo, acabou: nunca mais vou fazer comercial. Só de graça, para o governo.

UOL - Quais são seus planos para depois da novela?
José de Abreu - Agora, por causa das eleições, vou ter que parar de tuitar sobre política partidária. Quando acabar a novela, ou eu vou morar fora do Brasil ou vou montar uma superprodução. A ideia é dar uma corrigida no meu inglês. Meu inglês é de rua, que aprendi quando morei em Londres.

UOL - Você ficou abalado com a piada que o “Pânico” fez sobre o seu inglês?
José de Abreu - Falei direitinho no “Pânico”. Que isso... Me deram nota ruim, mas não teve erro nenhum. Inglês de arroz e feijão eu falo. O meu problema é entender uma peça de teatro. Preciso estudar.

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