Avenida Brasil

José de Abreu diz que temia que seu Nilo, de "Avenida Brasil", ganhasse fama de pedófilo

Luana Borges

Do PopTevê

Algumas vezes a trajetória de um personagem de novela fica à mercê da resposta do público. Não é à toa que José de Abreu se preocupou com a maneira que os telespectadores poderiam receber Nilo, seu papel em "Avenida Brasil". O misterioso catador de lixo da história, além de ter uma aparência quase assustadora, explora crianças, obrigando-as a trabalhar em troca de teto e comida. "A gente estava com medo de ele ser muito recusado pelo público, ainda mais fazendo maldade com criança", admite. "Nós tínhamos um medo, lá atrás, de ele ser considerado um pedófilo. E, graças a Deus, não passou essa imagem, ninguém nunca levantou isso. Poderia ser fatal", acrescenta.

Para José de Abreu, o que ameniza esse lado mau caráter é a ironia do personagem. E essa característica também funciona como uma pista sobre o passado de Nilo, ainda desconhecido até do seu intérprete. "A impressão que dá é de que Nilo foi um cara inteligente porque é muito esperto e tem uma ironia. Ele brinca com a ironia, tira sarro de todo mundo", analisa o ator, que tem se surpreendido com a figura que seu papel representa para muitas pessoas. Volta e meia, recebe mensagens via Twitter de gente que associa Nilo ao homem do saco – figura lendária que carrega crianças em um saco.

"Nem sabia que existia isso. Na minha geração era o bicho papão", compara, aos risos. "Um dia desses, duas pessoas falaram que sonharam com o Nilo. Uma delas disse que ele estava ensinando a separar o lixo reciclável. A outra disse que acordou assustada. As pessoas têm medo dele", conclui.

PopTevê – O Nilo tem uma aparência forte e é uma figura misteriosa dentro da trama. Que referências buscou para traçar o perfil deste catador de lixo?

José de Abreu – Fiz uma alusão ao Charles Dickens. Ele tem um romance sobre um velho judeu chamado Fagin, que explora crianças e tem uma relação maluca com elas, como o Nilo tem. Eu dei uma lida no Dickens. Tem também uma história em quadrinhos ("Fagin, O Judeu", de Paulo Nogueira) que dá a visão do velho, do bruxo, do Fagin, do Nilo. É muito legal porque meio que explica porque o Nilo virou isso que é. Ninguém vai para um lugar desses porque quer, assim, nessa miséria total, onde a única preocupação é o próximo prato de comida. Por isso, o Nilo come tanto. Isso é real na vida dessas pessoas. Eles não têm desejo nenhum, não importa a roupa, não importa onde vão dormir. No caso do Nilo, ele tem um lugar para dormir. Ele tem essa preocupação com a comida, é muito ligado nisso, cada vez mais. Ele usa o dinheiro que ganha para isso.

PopTevê – Chegou a conhecer algum catador de lixo para se familiarizar com a realidade do personagem?

José de Abreu – Eu conheci um tempo atrás, agora não precisei. Tenho um amigo no interior de São Paulo, dono de uma empresa que recolhe lixo na cidade de Paulínia. Ele tem um centro de recolhimento de lixo. Eu fui uma vez em um depósito desses, que nem Jardim Gramacho, como seria o da novela, que é impossível de respirar, tem um cheiro insuportável. Dói o nariz, dói a garganta. Depois, fui em outro do meu amigo. Esse é novo, não é nem aterro sanitário, é um negócio absurdo. Ele fez uma cooperativa de catadores que tem uma esteira coberta, em um galpão. Lá, com uniforme, luva, bota, máscara, eles já separam o que é reciclável ali mesmo. Por causa desse meu amigo, desse centro de reciclagem que ele tem, conheci uns engenheiros italianos que vieram aqui e acabei passando 15 dias com eles na Itália. Fui conhecer na Itália o aproveitamento depois da reciclagem, que é fazer energia elétrica do lixo. Isso há três anos. Sou um especialista nessa história. Manjo muito de lixo, do aproveitamento dele.

PopTevê – Teve alguma cena do Nilo mais marcante para você?

José de Abreu – Para mim, em termos de ser ruim de fazer, foi uma cena que eu bati no menino, o João, que fez comigo "O Menino da Porteira". Tive de dar uns tapas nele. Depois resolveram cortar a cena porque não precisava. Dei uma sacudida nele que foi tão forte e ele fez uma carinha tão boa de medo, que ficava demais. E eu também fiz a cena com medo porque não precisava. Com uma bronca, dependendo do ator, se ele faz uma cara de que está sofrendo muito, você não precisa ir além.

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