Tese de doutorado sobre os fãs do "Big Brother Brasil" ganha prêmio e vira livro

Mauricio Stycer

Do UOL, em São Paulo

  • Divulgação

    Capa do livro "Os Olhos do Grande Irmão - Uma etnografia dos fãs do Big Brother Brasil", resultado da tese de doutorado de Bruno Campanella (foto)

    Capa do livro "Os Olhos do Grande Irmão - Uma etnografia dos fãs do Big Brother Brasil", resultado da tese de doutorado de Bruno Campanella (foto)

Por três meses em 2008, Bruno Campanella trocou as salas de aula da Escola de Comunicação da UFRJ pelos fóruns na internet que debatiam o "BBB8". A imersão resultou na tese de doutorado, agora publicada em livro, "Os Olhos do Grande Irmão – Uma etnografia dos fãs do Big Brother Brasil".

"Algumas discussões em torno do 'BBB' podem, de fato, refletir questões importantes para o cotidiano das pessoas, como sexualidade, amizade, comportamento em relacionamentos amorosos, ética e assim por diante", constatou Campanella.

O pesquisador não apenas superou o preconceito dos colegas de academia ao se debruçar sobre o tema, como foi reconhecido por eles. O trabalho sobre o "BBB" ganhou da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação o prêmio de melhor tese de doutorado defendida em 2010.

"É fundamental a comunicação alargar seu campo de pesquisa, para também se dedicar ao estudo de fenômenos culturais como o 'Big Brother', as celebridades e outros produtos da cultura de massa", diz Campanella em entrevista ao UOL, concedida por e-mail.

Você acompanhou um grupo muito específico de pessoas dedicadas ao "BBB" quase 24 horas por dia. Diria que elas formam uma "elite" do público do programa?
Bruno Campanella -
Não sei se poderíamos definir esse público que gosta de discutir o "BBB" em blogs e fóruns como "elite", mas certamente ele acredita que tem uma visão privilegiada dos acontecimentos do programa. O acesso às diferentes plataformas de exibição do "Big Brother Brasil", como a internet e o pay per view, e a possibilidade de debatê-lo com outros fãs ajuda a criar uma sensação de que eles têm mais recursos para interpretar o que acontece na casa.

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    Rafinha, campeão do "BBB8", objeto de estudo da tese de doutorado de Bruno Campanella


O espectador que acompanha o BBB pelo pay per view está mais habilitado do que outros a entender o que acontece no reality show?
Certamente, muitos fãs vão dizer que sim. O "BBB" exibido em pay per view é muito menos mediado que a versão produzida pela Rede Globo. Ou seja, ele não passa por um processo de edição, com inclusão de trilha sonora, animação etc. Consequentemente, a audiência tem um acesso mais direto ao que realmente acontece no confinamento. Mas existe um pequeno problema nessa explicação. O "Big Brother" não é o confinamento em si, mas, sim, o programa de TV que é feito a partir do confinamento. O que eu quero dizer é que existem vários "BBB"s: o que é exibido pela Rede Globo, o do Multishow, o do pay per view e assim por diante. Nenhum deles deve ser considerado mais autêntico do que o outro. E é exatamente essa mistura de representações do confinamento que causa polêmica entre a audiência que tem acesso a mais de uma plataforma de exibição.

Alguns fãs acham que qualquer acontecimento fora de uma expectativa construída por eles faz parte de uma estratégia para aumentar a audiência da emissora. Em alguns casos, os fãs possivelmente têm razão, mas não creio que isso ocorra sempre.


Você observa que o BBB funciona, pela ótica do produtor, principalmente com o objetivo de maximizar a geração de receita. Os espectadores do programa, ao menos os que você acompanhou, têm noção disso?
Com certeza. Essa é uma das questões centrais nas discussões entre os fãs do programa. Com frequência, eles avaliam a condução das provas, a escolha dos participantes, a intervenção do apresentador, a edição feita para a TV aberta etc., levando em conta os interesses econômicos da Rede Globo na produção. Até diria que alguns fãs dão um excesso de ênfase a essa questão. Eles começam a achar que qualquer acontecimento fora de uma expectativa construída por eles, como, por exemplo, uma súbita polêmica envolvendo um confinado ou uma eliminação inesperada, faz parte de uma estratégia para aumentar a audiência da emissora. Em alguns casos, os fãs possivelmente têm razão, mas não creio que isso ocorra sempre.

Os espectadores que você acompanhou, em alguns momentos, enxergam a ficcionalização do cotidiano dos participantes, realizada pela edição do programa, como uma estratégia da emissora em busca de audiência. Mas parecem conformados com isso, não?
A maioria dos fãs sabe que essa ficcionalização do cotidiano faz parte do formato, aceita isso bem, e até se diverte com ela. Na verdade, a ficcionalização do formato está presente nos "Big Brothers" de todos os países. O que talvez diferencie o Brasil dos outros lugares onde o reality show é exibido é o grau em que isso ocorre. O próprio diretor do programa no Brasil admite que ela é maior por aqui. Também devemos levar em consideração que o "BBB" é produzido pela Rede Globo, a mais influente emissora de TV no Brasil há várias décadas e que é vista com certa desconfiança por uma parte considerável dos fãs do programa. Todos esses fatores contribuem para os debates em torno das diferentes versões do reality show.

Você chama a atenção para o fato de que as discussões travadas entre os espectadores frequentemente extrapolam o âmbito do programa e acabam tratando de temas que dizem respeito ao próprio cotidiano deles. O "BBB" tem função terapêutica?
Acho que o "Big Brother" reverbera de maneiras muito variadas para diferentes membros da audiência. Algumas discussões em torno do "BBB" podem, de fato, refletir questões importantes para o cotidiano das pessoas, como sexualidade, amizade, comportamento em relacionamentos amorosos, ética e assim por diante. Mesmo que não intencionalmente, ele pode desencadear debates relevantes para a sociedade. No entanto, também acredito que o programa é visto por muitas pessoas como um simples entretenimento, incapaz de gerar qualquer interferência no cotidiano delas. Ele pode até reforçar valores controversos ligados, por exemplo, ao culto exagerado ao corpo, à naturalização da vigilância, à competitividade desleal etc.

Ao desenvolver a pesquisa e acompanhar os fóruns de discussão do BBB, você ficou viciado no programa?
As pessoas costumam me perguntar isso com frequência. Mas não fiquei viciado no "BBB", não. Pra falar a verdade, eu nem era fã do programa antes de fazer a pesquisa, e tampouco me tornei um depois. Porém, admito que curti bastante acompanhar de perto as edições do reality que analisei no meu trabalho. Mais do que isso, eu gostei particularmente de me envolver nas discussões que aconteciam nos blogs e no principal fórum dedicado ao programa na época, o "BBB.Lua", que já foi até desativado pelo administrador. Alguns fãs eram bastante irônicos e inteligentes em suas análises.

Em um dado momento, um fã resolveu desafiar a minha identidade de pesquisador, afirmando que nenhuma instituição séria no país aceitaria um doutorando que quisesse analisar os fãs do 'BBB'.


Sua tese foi premiada por seus pares, na Compós. Além dos méritos do seu trabalho, é claro, esta premiação não pode ser vista, também, como uma declaração dos pesquisadores em Comunicação de que é necessário alargar os campos de interesse da academia?
Eu acredito que sim. É fundamental a comunicação alargar seu campo de pesquisa, para também se dedicar ao estudo de fenômenos culturais como o "Big Brother", as celebridades e outros produtos da cultura de massa. Acho muito difícil compreender de modo satisfatório o processo de formação do indivíduo na sociedade contemporânea sem pesquisarmos a sua articulação com os produtos culturais que ele consome diariamente.

Em algum momento, durante ou depois da pesquisa, você percebeu preconceito ou desprezo pela escolha do tema "BBB"?
É lógico que o preconceito existe por parte de algumas pessoas, especialmente aquelas que ainda estão presas a hierarquias que valorizam o estudo da "alta" cultura em detrimento da cultura massiva. O curioso é que na própria pesquisa eu me deparei com situações inusitadas nesse sentido. Em um dado momento, por exemplo, um fã, que eu já conhecia das discussões há alguns meses, resolveu desafiar a minha identidade de pesquisador, afirmando que nenhuma instituição séria no país aceitaria um doutorando que quisesse analisar os fãs do "BBB". Mas de um modo geral, fiquei até surpreso com o número de pessoas que se mostrou genuinamente interessado no tema da investigação.

"Os Olhos do Grande Irmão", de Bruno Campanella (editora Sulina, 296 págs., R$ 40), será lançado nesta quarta-feira, dia 25, às 19h, na Livraria Argumento, no Rio.

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