UOL Entretenimento Televisão
 
11/11/2010 - 19h14

"Vale Tudo" 22 anos depois: divertida, politicamente incorreta, mas boba

MAURICIO STYCER
Crítico do UOL
  • Odete Roitman (Beatriz Segall) chega à novela Vale Tudo para estragar a vida de sua irmã Celina (Nathalia Timberg) e de todos os outros personagens.

    Odete Roitman (Beatriz Segall) chega à novela "Vale Tudo" para estragar a vida de sua irmã Celina (Nathalia Timberg) e de todos os outros personagens.

Exibida entre maio de 1988 e janeiro do ano seguinte, na Globo, a novela “Vale Tudo” foi reapresentada entre maio e novembro de 1992 na sessão “Vale a Pena Ver de Novo” e ganhou uma versão para o mercado “hispânico”, nos EUA, em 2002.

De volta à telinha, pelas mãos do canal Viva, da Globosat, “Vale Tudo” está obtendo bons índices de audiência na TV paga, o que não significa muita coisa, causando um certo frisson nas redes sociais, em especial o Twitter, e animando conversas na madrugada –a novela é exibida à 0h45 e reapresentada às 12h.

Resisti até a noite de quinta-feira, dia da exibição do 29º capítulo da trama. Conforme largamente anunciado, o capítulo assinala a entrada em cena de Odete Roitman, a víbora construída com notável talento por Beatriz Segall.

Sua primeira fala é: “Reserve uma suíte presidencial num desses hotéis limpinhos, de preferência que não tenha mendigos na porta tentando agarrar a gente”, recomenda à irmã, Celina, vivida por Nathália Timberg.

  • Divulgação

    Afonso (Cassio Gabus Mendes) e Maria de Fátima (Glória Pires) de "Vale Tudo" (1989)

O capítulo todo gira em torno “da chegada da fera”, como diz uma personagem sobre Odete, que está no exterior. Todos a temem. Seus filhos, conhecidos e funcionários. Apenas um, Marco Aurélio (Reginaldo Farias), o vice-presidente, parece tranquilo. É um canalha simpático, um tipo irresistível em novelas.

Maria de Fátima (Gloria Pires), a vilã inescrupulosa, que passou por cima da própria mãe, Raquel (Regina Duarte), ainda está dando os primeiros passos na maldade, aproximando-se de Afonso (Cassio Gabus Mendes), filho de Odete.

Maria de Fátima diz a Afonso que Odete parece ser uma mulher moderna, ao que o rapaz responde: “Pode ser com os outros, mas comigo e com a minha irmã é Tradição, Família e Propriedade”.

A chegada da mãe perturba Heleninha (Renata Sorrah), a irmã, que tem uma recaída em seu esforço de superar o alcoolismo na última cena do capítulo. Odete está criticando Celina por ter trocado móveis e estofados da casa, quando Heleninha aparece e diz, com um copo de uísque na mão e a língua enrolada: “Ou você acha que neste mundo não tem lugar para a beleza?”

  • Divulgação

    Odete Roitman (Beatriz Segall), Maria de Fátima (Glória Pires), Marco Aurélio (Reginaldo Faria) e Heleninha Roitman (Renata Sorrah) de "Vale Tudo" (1989)

Odete, Maria de Fátima, Marco Aurélio e Heleninha são, de fato, grandes personagens interpretados por ótimos atores. Mas será que justificam a fama de “Vale Tudo”? A novela também entrou para o imaginário por causa do mistério em torno do assassinato de Odete, embora o crime tenha ocorrido faltando apenas 12 capítulos para terminar a trama.

Além do mistério e do carisma de seus vilões, outro ponto marcante de “Vale Tudo” é a  música-tema, “Brasil”, de Cazuza, Nilo Roméro e George Israel, na versão de Gal Costa, cujos versos falam: “Brasil / Mostra a tua cara / Quero ver quem paga / Pra gente ficar assim / Brasil / Qual é o teu negócio? / O nome do teu sócio? / Confia em mim”.

Gilberto Braga conta que “Vale Tudo” surgiu de uma discussão familiar, no meio de um jantar. Seu padrinho, irmão de sua mãe, delegado de polícia, foi chamado de “medíocre e babaca” por um parente. “Ah, ele foi delegado em Foz do Iguaçu e Belém e poderia estar rico. Todo mundo que foi delegado nestes lugares tem apartamento na Vieira Souto e ele não tem nada, é pobre”. Diz o novelista, no livro “Autores – História da Teledramaturgia”:

  • Ana Carolina Fernandes/Folhapress

    O dramaturgo Gilberto Braga

“Vale Tudo nasceu dessa discussão, da figura do meu padrinho e da distorção –presente em praticamente todo o país– dos que acham que quem não é corrupto é babaca. Foi a única novela em que, antes de ter a história, eu já tinha a temática. Eu queria fazer uma novela sobre o seguinte assunto: “Vale a pena ser honesto num país onde todo mundo é desonesto?” Foi uma novela muito didática.

O depoimento ajuda a entender o que não gostei ao rever o capítulo 29 de “Vale Tudo”. É uma novela destinada a vender uma “mensagem” de cunho moral, escrita didaticamente. Gilberto Braga acreditava que, na exposição exagerada da maldade de seus personagens, estaria dando uma lição ao público. Isso inclui até na famosa “banana” que o vilão Marco Aurélio dá no final da novela, ao escapar impune.

Vista hoje, “Vale Tudo” me pareceu engraçada e divertida, mas boba. É politicamente incorreta, mas esta qualidade fica em segundo plano diante dos exageros cometidos e ditos para chamar a atenção do público.

Mauricio Stycer

Mauricio Stycer é repórter especial e crítico do UOL.

Fórum UOL Televisão - Mauricio Stycer

Blog do Mauricio Stycer

Críticas

Mais Críticas
Hospedagem: UOL Host